quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Postagem em branco

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Abro a página para derramar as palavras que eu não tenho mais. Por uma questão de lógica das mudanças que a vida impõe, encontro-me de fato vazia. Nem mesmo meu oco habitual me preenche. No solo de minhas mãos estão as agonias de encontrar-me por tanto tempo longe, tanto tempo perdida.
Aqui, sei que não há desconsolo maior do que me perder no que eu não sou. No que eu não tenho sido.
Já tem alguns meses que me perdi dentro de mim. Minha cabeça metamorfoseou-se em trocentas mil outras cabeças. Há muitos e nenhuns pensamentos. Por fora, novas rugas, novos e esbranquiçados cabelos em minha cabeça que pesa. No espelho, tomo-me como um abaporu tarsiliano.
O motivo de abrir essa página em branco é saber que há muitas páginas em branco pela frente. É preciso clicar em publicar, é preciso salvar algo, é preciso que existam tais marcadores em minha vida. Minha vida de postagens, minha vida de pegadas, minha secreta vida de marinheira neste mar de palavras.

Mas escrever é um ato de coragem, dizia Clarice, e como corajosa que não sou, ousei calar meus mais estridentes gritos de socorro. Dentro de mim eles sufocavam meu peito, estreitavam meus batimentos cardíacos, atravessavam o equilíbrio da minha pressão sanguínea. Quase pifei. Não sei se escolher foi uma escolha ou se fui escolhida, uma vez mais, mas o processo de escrita conseguiu me salvar desse sufrágio.

Cá estou.
Mas há muito não escrevo. Não sei mais escrever. E novamente uso Clarice. Não sei mais como tocar as letras e transformá-las em algum símbolo que transborde significados. Que transpareça minha alma. Que toque a quem lê, mesmo que este alguém seja o meu eu-futuro.

Não sei, mas ouso. Tento, transfiguro-me.
Sentada estou. Primaveril numa noite de chuva e gelada. Não é primavera nem dentro e nem fora de mim. Ainda. Mas elas nascem. As flores, as amarelas, a vida na minha vida, está brotando nos jardins. Logo menos haverá muitas de mim por meu caminho. Logo menos as amarelas serão a alegria do meu caminhar.

Menos, logo...

Por enquanto paro porque a escrita se tornou rabugem. Se tornou algo que não deve ser escrita. É um círculo vicioso que não visa nenhum progresso. Paro porque há muito para ser dito e minhas palavras não encontram espaços para desenhar-se neste pequeno espaço em branco, já manchado por algumas frases aleatórias.

Paro.

É um breve respirar para que eu possa voltar, com fôlego, a correr atrás de mim mesma.

[Criseida]