quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Poemeto da verde-esperança

Pula do A ao B
numa facilidade
Que mal percebe meu desalento

É uma cor de esperança
que descolore
É um mundo atrasado
e a passos lentos

Um continente que nos transpassa
Não mais passe com tanta pressa

Fique
se acomode
e me abrace.

[cbo]

Inverno




Alguns invernos se passaram desde minha primeira primavera. Hoje, sinto que a morte se fortalece a cada dia que vivo. Nas palmas de minha mão estão as marcas de um destino pronto, acabado. Segundo especialistas em leitura de mão, minhas linhas são muito bem definidas: é e pronto. Nunca fui de muitos rodeios. Era ou não era, foi ou não, acabou e é o fim. Não houve espaços para eu curtir uma talvezação dos viveres. Sim, desde meus primeiros invernos posso ser considerada uma mulher decidida, de palavra, inclusive sobre o que eu deixei de ser, o que deixei para trás. Isso, de fato, é o que mais próximo da morte me traz, sendo, hoje, minha mais profunda angústia.

Há algum tempo surgiu a mania de dizer que grandes artistas morriam aos 27 anos. Brincadeiras à parte, realmente muitas pessoas importantes se foram nessa idade e, a maioria delas, foi-se por conta própria... para ser sutil. A última foi uma pessoa que eu não gostaria de ter perdido (opa, como se fosse minha pertença) tão cedo; mas as drogas, droga, levaram-na. Em todo caso, a maldição que recai nessa idade x, 27, torna a vida um pouco mais emocionante quando a gente é quem completa tal primavera. Foi assim, esperei ansiosamente pelos meus 27 anos. Mesmo sem a “espera” (oi?) da morte, esperaria, por ser a única vez em que coincidem a data e a quantidade de anos em minha vida.

Entretanto, eu tenho mudado. Outros humores, outros amores, outros afins. Descobri em mim um outro ser que não sou eu, mas que vive como se fosse morrer a qualquer momento. Descobri isso, na verdade, ao ler uma matéria jornalística sobre uma médica responsável pela ala do hospital que trata de doentes “paliativos”, ou seja, onde há a certeza da morte. Nesse texto, ela dizia como a certeza (a única que todos temos) e a aproximação da morte transformam os seres humanos. Incrível. Está difícil escrever. Vamos lá.

Pois bem, minhas mudanças tem me confundido a cabeça nesse sentido. Sinto que estou me tornando um ser humano melhor, mesmo quando não gostaria de. Percebe? Não há uma aproximação, ao menos concreta, com a morte. Nada a esse respeito. Sigo a vida, vivendo, saudável, tentando comer bons alimentos ao menos uma vez na semana, risos, praticando caminhadas constantes, indo ver o por do sol, lendo poesia, escrevendo, dando aulas, ou seja, fazendo tudo que me leva à vida, não à morte. Contudo, por que diacho resolvi eu ser um ser humano melhor nessa altura?

Sim, claro, caminhamos para a melhoria, sempre. Nem sempre, nem todos caminham. Mas eu acredito no amor e na força dele como mudança de mundo, como transformação social. Ah, sim, sou das utópicas.

Até então, já há duas coincidências aproximando-me da morte, mesmo quando vivo. Quando digo que a cada dia que vivo mais morta estou, é isso. Escolhemos morrer ou como morrer? Como poderíamos saber o dia certo para parar nossa caminhada? Que força é essa que devemos ter para dizer o último basta? Que falta de coragem é essa que não nos submete mais às delícias do viver, mesmo que para isso algumas dores surjam no caminho?

Não atento contra a minha vida. Lembra que eu gosto do amor, da vida e acredito nas pessoas? Não há como voltar atrás nesse sentido, pois ser quem eu sou, hoje, tornou-se algo que eu pretendo ser, ainda amanhã. Não o amanhã tão, tão, distante, mas o amanhã loguinho, até que eu floresça outras flores e conheça novos jardins.

Escrevo me questionando se vou morrer logo.

Desde que eu era pequenina – de idade, tudo bem – carrego comigo a sensação de que não viveria muito. Não, não chegaria a ser uma velhinha dos cabelos brancos. Sempre pensei que essa sensação fosse fruto das novelas mexicanas que eu assistia, ou então dos romances que já serelepiavam na minha cabeça. Mas uma sensação tão forte numa menina tão pequena? Admito ser uma dramática de carteirinha desde que me entendo por gente, por isso já imaginei como seria essa prematura morte desde há muito. Nunca foi morte por vontade própria, isso já posso adiantar. O que muito me alivia, pois não sou mulher suficiente para escolher não ser mais.

Agora são três fatos.

Estamos no inverno e lá fora uma chuvinha muito fina se encarrega de lavar o mundo. O mundo que não me pertence mais, me pergunto. Não sei. Ergo os olhos e a chuva parou, são momentos, pensei logo. A morte é um momento tão delicado e, ao mesmo tempo, tão definitivo. Não se escolhe morrer, mas morrer significa muito. Quem sente as dores de quem morre? Ao morrer, a pessoa se encontra consigo finalmente? Será que nos são dadas as milhares de respostas às infinitas perguntas que fazemos em vida? Ah, eu tenho tantas dúvidas sobre a morte que não me sinto preparada para morrer, não, não agora.

Por coincidência, reli esses dias alguns trechos do famoso livro de Brás Cubas. O memórias póstumas... Minha mãe, quando liga, sempre me conta da morte de fulano ou beltrano. Preciso sair logo dos 27 anos, aqui não duro.

Brincadeiras à parte, finalmente, aos vinte e sete, tenho medo da morte que parece tão ligada à mim. Quando tinha 13 anos escrevi um conto, uma crônica, sei lá, de uma menina que narrava sobre a sua própria morte, mas você só descobria ao final, quando ela dizia que seu corpo estava naquela tal lata de lixo. Treze anos. Escrita e morte. Passei um bom tempo da faculdade escrevendo textos sobre a Menina. Se você ler, neste blog, verá que é uma menina sempre manchada de sangue e consagrada pela dor que precede a morte. Sou uma cruel escritora.

Talvez isso tudo queira dizer que eu deva parar de escrever coisinhas doces sobre o amor e escrever sobre a morte e suas dores... principalmente a dor de saber que se deveria ter amado mais, como dizem-nos os Titãs. Espero que seja isso. Escrever esse texto me levou a uma sublimação de mim mesma, apesar das provas argumentativas que tentei recolher para justificar minha partida prematura. Doidices sejam.

Essa última frase fez-me lembrar Guimarães. Talvez seja fruto do pensamento roseano que me constitui. Também ele sabia que morreria quando assumisse seu posto na Academia Brasileira de Letras. Demorou alguns anos para aceitar, morreu três dias após a posse. Ficou encantado.



[Criseida 13/8/2014]

domingo



.                                                                                                                                         .Todas as vezes que ouço Maria Bethânia me sobra uma deliciosa vontade de escrever. Quem sabe, nalgum dia, consiga eu escrever tão belamente como esta se resolve em suas canções. Sei quase nada sobre Bethânia, sei quase nada sobre quaisquer artistas. Não gosto de me envolver na intimidade dos mesmos, preferindo ficar aqui, como se o anonimato deles fosse a chave do mistério para trazer a felicidade sem rastros. Às vezes me pego imaginando o que se passa com eles quando imersos na criação poética, se sofrem, se gritam, se criação e criatura se misturam ou se há uma técnica que seja muito superior a todos os agudos sentimentos que eles inflam em mim e nos seus demais admiradores. Vez ou outra uma pontinha de curiosidade me faz caçar um fato sobre o sujeito que evoca em mim a transcendência. Mas, creio que a vez ou outra seja pura atividade de procrastinação das reais e duras tarefas a se cumprir. “Pois quem ama a si é mesmo um deus”, canta ao fundo. E eu estou escrevendo. Neste cd, Bethânia tem uma música dedicada ao domingo e hoje é domingo. Dia mundial da melancolia. No último domingo consegui unir forças para fugir dessa onda domingueira toda ruim, mas hoje me sobra um vestígio de doença da chuva fina e do vento (vento?) que tomei ontem durante e após um festival de jazz. Estava eu, a única entre os homens, a única entre os estrangeiros em meu país e, por felicidade dos mesmos, talvez, a única estrangeira de ontem tenha sido eu. Gosto de ser “estranha” no “meu” comum. Eram três contra minha palavra e uma maldição francesa que dizia que o mal tempo deixaria “enfermo”. Enferma fiquei. Doente, no linguajar popular. Durante a experiência de ontem, peguei-me pensando no que estava passando ali, naquele momento, no exato momento de existência, eu, a única Maria do mundo. Foi um bom sábado. “Saudade o som do tempo que ressoa, saudade o céu cinzento e uma garoa”. Se a saudade é o eterno filme em cartaz, esse acaso preenche, não? Hoje eu estou de péssimo humor para escrever e, quando falamos muito e temos coisas muito ruins para compartilhar, acaba que trazemos mais coisas ruins para perto da gente. Logo, mesmo sem ter passado pelo trecho em que a Bethânia – outra Maria – canta o domingo, pauso a escrita. Por ora. É bom descobrir a vez de dizer, mas é melhor ainda reconhecer a vez de parar. Paro. Sobre mim e sobre as delícias de ouvir Bethânia, o voto de melhorar meu humor. Oxalá.



Domingo, 17 de agosto de 2014.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Lombadas e Cascos

Há maus bocados deste lado da escrita. Não está fácil ser eu nesse momento em que mais eu se exige que eu seja, entende?

Estou convivendo com problemas de convivência... e não dá para suportar e sobreviver sobre pressão todos os dias, todas as horas. Quando tudo é posto em cheque, quando todas as armas possíveis e imagináveis são atiradas ao tabuleiro. Pressões.

Cansada, já não há mais caminhos para voltar quando tudo parece ser um caminho que me leva a este que vivo. Saber que é preciso que eu passe, que é preciso achar o que eu sou, onde eu estou, para que as coisas não se matem.

Sim, para que não haja morte.

É preciso segurar muitas dores. Comer muito maracujá para segurar as dores do existir. É preciso  que eu tenha uma força que anda escassa. É preciso nomear os amores para esquecer dos maus espíritos que me rodeiam. Minha cabeça dói, minha barriga dói, meu espírito flameja.

De auxilio, deram meu o papel de lombada das sofreguidões. E todo meu sofreguimento-lânguido que não morre, onde enfio?

sinto sob mim um casco maior do que meu tamanho suporta. Sinto, sinto. Não sinto mais nada e vou.

Pois a vida é cara para gastarmos com as chorumelas.

Vai, Cristiane, vai ser cascodelombada na vida.

[criseida]

domingo, 3 de agosto de 2014

Raiva






De repente, dentro de mim,
Uma casca se rompeu.
Junto a ela saiu calor,
Alma,
Brilho.


Durante a noite,
Na missão do perdoável,
Um ritual inteiro me sacudiu.


Foi o durante a noite quem me acordou.
Ele quem puxou da cama
Toda aquela mágoa pequena
Que, insistente,
Dormia junto a mim.


Durante o sono eu fui a minha mais nova versão.
Uma que sequer reconheço
Mas faz-me um bem incrível
Chama-se:
Sermelhor.
E para eu ser melhor,
É preciso que eu faça o melhor também.


Sem pensar
Sem anotar
Sem considerar
Sem esperar
Sem questionar
Sem criar expectativas.


O meu de melhor há de ser esse
que vive de ser o que sente,
sentindo só o bem.


Durante a noite,
Uma vez mais,
O que era sensível venceu.


[CBO]


13.07.2014