quinta-feira, 21 de agosto de 2014

domingo



.                                                                                                                                         .Todas as vezes que ouço Maria Bethânia me sobra uma deliciosa vontade de escrever. Quem sabe, nalgum dia, consiga eu escrever tão belamente como esta se resolve em suas canções. Sei quase nada sobre Bethânia, sei quase nada sobre quaisquer artistas. Não gosto de me envolver na intimidade dos mesmos, preferindo ficar aqui, como se o anonimato deles fosse a chave do mistério para trazer a felicidade sem rastros. Às vezes me pego imaginando o que se passa com eles quando imersos na criação poética, se sofrem, se gritam, se criação e criatura se misturam ou se há uma técnica que seja muito superior a todos os agudos sentimentos que eles inflam em mim e nos seus demais admiradores. Vez ou outra uma pontinha de curiosidade me faz caçar um fato sobre o sujeito que evoca em mim a transcendência. Mas, creio que a vez ou outra seja pura atividade de procrastinação das reais e duras tarefas a se cumprir. “Pois quem ama a si é mesmo um deus”, canta ao fundo. E eu estou escrevendo. Neste cd, Bethânia tem uma música dedicada ao domingo e hoje é domingo. Dia mundial da melancolia. No último domingo consegui unir forças para fugir dessa onda domingueira toda ruim, mas hoje me sobra um vestígio de doença da chuva fina e do vento (vento?) que tomei ontem durante e após um festival de jazz. Estava eu, a única entre os homens, a única entre os estrangeiros em meu país e, por felicidade dos mesmos, talvez, a única estrangeira de ontem tenha sido eu. Gosto de ser “estranha” no “meu” comum. Eram três contra minha palavra e uma maldição francesa que dizia que o mal tempo deixaria “enfermo”. Enferma fiquei. Doente, no linguajar popular. Durante a experiência de ontem, peguei-me pensando no que estava passando ali, naquele momento, no exato momento de existência, eu, a única Maria do mundo. Foi um bom sábado. “Saudade o som do tempo que ressoa, saudade o céu cinzento e uma garoa”. Se a saudade é o eterno filme em cartaz, esse acaso preenche, não? Hoje eu estou de péssimo humor para escrever e, quando falamos muito e temos coisas muito ruins para compartilhar, acaba que trazemos mais coisas ruins para perto da gente. Logo, mesmo sem ter passado pelo trecho em que a Bethânia – outra Maria – canta o domingo, pauso a escrita. Por ora. É bom descobrir a vez de dizer, mas é melhor ainda reconhecer a vez de parar. Paro. Sobre mim e sobre as delícias de ouvir Bethânia, o voto de melhorar meu humor. Oxalá.



Domingo, 17 de agosto de 2014.

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