quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A miragem - Vinicius de Moraes









Não direi que a tua visão desapareceu dos meus olhos sem vida

Nem que a tua presença se diluiu na névoa que veio.

Busquei inutilmente acorrentar-te a um passado de dores

Inutilmente.

Vieste - tua sombra sem carne me acompanha

Como o tédio da última volúpia.

Vieste - e contigo um vago desejo de uma volta inútil

E contigo uma vaga saudade…
És qualquer coisa que ficará na minha vida sem termo
Como uma aflição para todas as minhas alegrias.
Tu és a agonia de todas as posses
És o frio de toda a nudez
E vã será toda a tentativa de me libertar da tua lembrança.

Mas quando cessar em mim todo o desejo de vida
E quando eu não for mais que o cansaço da minha caminhada pela areia
Eu sinto que me terás como me tinhas no passado -
Sinto que me virás oferecer a água mentirosa
Da miragem.
Talvez num ímpeto eu prefira colar a boca à areia estéril
Num desejo de aniquilamento.
Mas não. Embora sabendo que nunca alcançarei a tua imagem
Que estará suspensa e me prometerá água
Embora sabendo que tu és a que foge
Eu me arrastarei para os teus braços.

(Semana Vinicius de Moraes na Poesia Brasileira)

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

As nuvens que passam

Abri a janela.

Por esses dias, já na primavera, só há chuva. Muita chuva, muito vento e um friozinho incomodo que nunca se ausenta.
Neste contexto, achei justo usar minha sexta-feira-gorda para, após o almoço, tirar uma horinha de cochilo.
Fechei a janela, deitei, dormi.
Despertei com um ruído de vento invernal, aquele que não te permite a pensar nada além do "Não seja boba, permaneça na cama!".

O trabalho na escrivaninha me esperando, os celulares apitando incessantemente, e-mails chegando, conversas rolando.. e o vento que batia na janela dizia: "permaneça aí, permaneça ai."

Sabe, eu permaneceria.
Se fosse só por mim, se não houvesse o depois, a saída da noite, a aula de amanhã de manhã.  Enfim, se fosse só por mim, ouviria de contente o vento.

Mas uni forças de nem lembro onde e me levantei de um salto.

Abri, então, a janela.
E me surpreendeu a leveza de um azul entremeado de raios de sol que fuzilavam as pessoas que estavam vivendo seu dia lá fora. Não como eu, presa em um quarto com um som.

No céu, as nuvens dançavam ao ranger daquelas vozes que aveludadamente me incentivavam a não partir. Uma dança contemplável.

Enfim, despertei.

Uma aula programada.
Um banho a tomar.
Músicas românticas para uma noite bonita, com sons dúbios.
Um orientador que guiará seu grupo por outros caminhos da arte, um além das palavras.

E me vou.