sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

De: Eu me chamo Antonio. Simplesmente uma lindeza.



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Um dia você deixou escapar que sentia vergonha por nunca ter lido um clássico. Eu fiquei vermelho, confesso!, mas admiti que não dava tanta importância aos livros importantes. Achávamos chato qualquer livro com mais de 256 páginas e 12 personagens, lembra? Guerra e Paz ainda espera nossos olhos. Se depender da nossa vontade, Moscou morrerá de frio. E, com todo respeito, que se foda Napoleão. Dom Quixote ainda tenta chamar a nossa atenção com aqueles moinhos gigantes. Sancho tem um nome fofo. Meu cachorro teria esse nome. Se fosse um bulldog, claro!. E, pra mim, Cervantes será sempre um restaurante em Copacabana não um livro de bacana! E você ri. E eu também! E a gente se beija. Ah, e eu não me esqueço daquele silêncio homérico quando confessei que não li Ilíada e não entendi porra nenhuma da Odisseia. Prefiro mil vezes o Stanley mandando gregos e troianos fantasiados de macaco pro espaço. Desculpa os palavrões. Se eu me envergonho? Um pouco, confesso. Mas eu li o poema que você escreveu pra mim quando nem sonhávamos em sonhar em estar juntos um dia – se é que já estivemos juntos um dia. E aqueles versos bobos talvez sejam a coisa mais linda que li até hoje. Neruda que me perdoe. Quintana que me desculpe. Drummond que não me julgue. Aquele seu poema é o único clássico que tem espaço cativo e afetivo na minha estante: entre a Liberdade, de Franzen, e o Eu Hei-de Amar uma Pedra, de Lobo Antunes. E é lido todos os dias desde o dia que não nos vimos mais. Quando leio: “Amado, Antônio, o mundo é tão estúpido que as pessoas precisam amar.” Eu tremo. Quando releio “Antônio, amado, o mundo é tão estúpido que eu não posso te amar“. Eu choro. E essa fala ainda reverbera nitidamente feito berro silencioso nos meus tímpanos de menino. Eu ouço a sua voz declamar cada verso, como se fosse rasgar minha memória. E rasga.

Um dia você deixou escapar que sentia vergonha por nunca ter lido um clássico. Eu tenho vergonha dos que nunca leram um poema seu.

[lembrança portátil; antônio]

noite de Luar

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Sonho.
E, no fechar de pálpebras,
um mundo
se
refaz.

[criseida]

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

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The more one judges, the less one loves.
(Balzac)


Love-Lose



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Real love is always chaotic. You lose control, you lose perspective.

You lose the ability to protect yourself.

The greater the love, the greater the chaos.


Johathan Carroll


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Chapeuzinho Amarelo

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Era a chapeuzinho amarelo.
Amarelada de medo.
Tinha medo de tudo, aquela chapeuzinho.
Já não ria.
Em festa não aparecia.
Não subia escada,
Nem descia,
Não estava resfriada,
mas tossia.
Ouvia conto de fada e estremecia.
Não brincava mais de nada,
nem amarelinha.
Tinha medo de trovão.
Minhoca, pra ela, era cobra.
E nunca apanhava sol,
porque tinha medo de sombra.
Não ia pra fora pra não se sujar.
Não tomava banho pra não descolar.
Não falava nada pra não engasgar.
Não ficava em pé com medo de cair.
Então vivia parada,
deitada, mas sem dormir,
com medo de pesadelo.
Era a chapeuzinho amarelo.

(Chico Buarque de Holanda)

Variantes

...

A variação da vida é uma incrível
Sobe e desce nos nossos pulsares
e dali a um dia,
ou após um ano,
Você novamente:
num topo
num semi-topo,

No semi-tocar seguro
de quem um dia pertenceu
a um quadrante extenso
neste coração minúsculinho.


[criseida]

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Trechos do conto "Os Cimos" - Guimarães Rosa

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"Outra era a vez."

"E o Menino estava muito dentro dele mesmo, em algum cantinho de si. Estava muito para trás. Ele, o pobrezinho sentado."

"O quanto queria dormir. A gente devia poder para de estar tão acordado, quando precisasse, e adormecer seguro, salvo."

"A vida não parava nunca, para a gente poder viver direito, concertado?"

"Enquanto a gente brincava, descuidoso, as coisas ruins já estavam armando a assanhação de acontecer: elas esperavam a gente atrás das portas."

"Deitado, o Menino se sentia sustoso, o coração dando muita pancada."

"Quase como assistir às certezas lembradas por um outro; era que nem uma espécie de cinema de desconhecidos pensamentos; feito ele estivesse podendo copiar no espírito ideias de gente muito grande. Tanto, que, por aí, desapareciam, esfiapadas."

"Mas, naquele raiar, ele sabia e achava: que a gente nunca podia apreciar, direito, mesmo, as coisas bonitas ou boas, que aconteciam. Às vezes, porque sobrevinham depressa e inesperadamente, a gente nem estando arrumado. Ou esperadas, e então não tinham gosto de tão boas, eram só um arremedado grosseiro. Ou porque as outras coisas, as ruins, prosseguiam também, de lado e do outro, não deixando limpo lugar. Ou porque faltavam ainda outras coisas, acontecidas em diferentes ocasiões, mas que careciam de formar junto com aquelas, para o completo. Ou porque, mesmo enquanto estavam acontecendo, a gente sabia que elas já estavam caminhando, para se acabar, roídas pelas horas, desmanchadas..."

"A uma das árvores, chegara um tucano, em brando batido horizontal. Tão perto! O alto azul, as frondes, o alumiado amarelo em volta e os tantos meigos vermelhos do pássaro - depois de seu vôo. Seria de ver-se: grande em ramo, comia da árvore carregada. Toda a luz era dele, que borrifava-a de seus coloridos, em momentos pulando no meio do ar, estapafrouxo, suspenso esplendentemente."

"Mas feito se, a cada parte e pedacinho de seu voo, ele ficasse parado, no trecho e impossivelzinho do ponto, nem no ar - por agora, sem fim e sempre."

"Apanhava com o olhar cada sílaba do horizonte."

"O hiato - o que ele já era capaz de entender com o coração."

"A tornada do pássaro era emoção enviada, impressão sensível, um transbordamento do coração."

"Entretempo, se atrasava numa saudade, fiel às coisas de lá."

"O Menino sorriu do que sorriu, conforme de repente se sentia: para fora do caos pré-inicial, feito o desenglobar-se de uma nebulosa."

"Sorria fechado: sorrisos e enigmas, seus. E vinha a vida."

Fanny

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fanny, a grande
amiga de minha mãe,
ossuda, esgalgada,
de cabelo escuro e curto,
e filha de uma inglesa,
tinha um sentido prático
extraordinário e era
muito emancipada, para
os costumes da foz
daquele tempo.

uma vez, estando
sozinha no cinema, sentiu
a mão do homem a
seu lado deslizar-lhe
pela coxa, prestou-se a isso e

deixou-a estar assim,
com toda a placidez, mas abriu
discretamente a carteira de pelica,
tirou a tesourinha das unhas
e quando a mão no escuro

se imobilizou mais tépida,
apunhalou-a num gesto
seco, enérgico, cirúrgico.
o homem deu um  salto
por sobre os assentos e

fugiu num súbito
relincho da
mão furada.
fanny foi sempre
de um grande despacho,

na sua solidão muito
ocupada num escritório. um dia
atirou-se da janela
do quinto andar
e pronto.

(Vasco Graça Moura)
In: Poemas com pessoas (1997). Poesia 1997/2000, Lisboa: Quetzal, 2000.

As ilusões da Literatura

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Condenados a uma existência que nunca está à altura de seus sonhos, os seres humanos tiveram que inventar um subterfúgio para escapar de seu confinamento dentro dos limites do possível: a ficção. Ela lhes permite viver mais e melhor, ser outros sem deixar de ser o que já são, deslocar-se no espaço e no tempo sem sair de seu lugar, nem de sua hora e viver as mais ousadas aventuras do corpo, da mente e das paixões, sem perder o juízo ou trair o coração.

(Mario Vargas Llosa).

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Na defesa de me ser

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Me querem só o vazio.
Mas insistirei em ser o pleno!

No lugar do oco, renascerei como polpa...
e nem adianta querer me roer até o caroço.

Eles esperam que eu esfrie,
Que eu não transborde,
Que eu esmague essa minha
Fúria de viver.

Mas o que darei a eles
é mais
mais vida, é mais construção...
Distribuirei meus talentos tortos,
independente do fato de rirem de mim.

Permanecerei acreditando,
mesmo que eles não queiram.
Permanecerei esperando
amar plenamente,
mesmo com  expectativas tão baixas.

Seguirei com minha alma
de poeta,
que dói tanto nesse mundo
de pessoas desumanas,
só porque eu sei
que assim é que eu chego
em mim.

Sei que os esforços são grandes,
Para que eu não me seja mais,
Para que eu ria menos,
e mais contidamente,
Para que eu seja culta,
Para que eu ignore o que não compreende o mundo
como eu o compreendo,
Mas sou teimosa,
Já alcancei um Universo com minha teimosia.

E quanto mais eu sigo,
quanto maior meu Universo fica
Mais querem me deixar apenas uma
fibra de existir.

Um resto do resto,
O oco do nada.

Enquanto até meu oco é pleno,
Meu vazio é meu
E não dói.

Não quero o vazio de vocês:
Preconceituoso,
Mesquinho,
Individualista,
Hipócrita.

Quero a loucura dos que amam,
E acredito no amor.

Declaro que seguirei
feito polpa:
às vezes amassada,
comida,
pisada,
estragada...

Mas polpa.


[CBO]
11.12.13

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O navegante, eis que...

...
Depois de muito tempo de expectativa,
muitos dizeres sobre ti no caminho,
após ter pedido por você em uma carta jogada ao mar

Eis que o vejo surgir:
o sorriso
o amarelo
o viajor
o poeta

e seus pôres-dos-sóis (!)

A pergunta que não cala
Ou cala?
Se cala?
Quem cala?
É a mesma:
É você,  marinheiro?


Criseida.

[o amor é bem mais do que isso; antônio]

O amor parece ter nascido aqui nesse leito sereno para depois morrer confuso, ali, no seu peito ausente. Talvez nada lhe falte e até sobre verdade sobre a mesa do jantar que não jantamos ontem. Talvez até sobre um recado no bolso do paletó, que diz que a paixão é um pequeno pecado doido para ser perdoado. Eu perdoei loucamente todos os seus pecados: um por um, dores por dores, sentimentos por sentimentos. Talvez ainda reste um resto de eu te amo enrolado neste guardanapo que roubei do balcão do meu bar predileto… Na gaiola invisível ainda ouço a liberdade se prender ao canto do curió – meu pássaro favorito! Curiosos são aqueles que querem a verdade, o que eu quero é ver, rever, berrar: reverberar!

Ainda me lembro do dia em que dissemos: seremos felizes até que a poesia nos repare. Primeiro, você riu, eu gargalhei e nós casamos. Depois, eu li, você ouviu e, nus, transamos. Por fim, eu lembrei, você se esqueceu e nós cansamos. Hoje, ainda que me falte você, nunca me faltará poesia. Um poema é o próprio abandono descrito em versos, diversas vezes. É o poeta em estado onírico implorando em rimas, alexandrinos, decassílabos decadentes: “Volta para mim, palavra bonita. Volta!”. Seu mundo sempre foi confuso, uma mistura moderna de Garcia Márquez com qualquer pintura de Velásquez. Você só parece amar quem pisoteia nos seus sonhos, quem tapa os seus sorrisos com lágrimas, quem lhe abandona sem roupa, sem mundo, sem beijo. Veja só: As Meninas na corte do rei parecem cortejar o seu coração. Corta a cena: seu azar foi ter vivido Cem anos de Solidão em uma única relação. Talvez por isso nada lhe emocione mais: nem o piano que toca algumas notas de jazz, nem o coração em guerra que, no peito, hasteia uma bandeira de paz. Talvez por isso nada lhe interesse mais: nem as cartas nem as caras de amor. Todas elas são ridículas, já dizia o poeta, todas elas são partículas de sentimento que não insiste mais… Contudo ainda me pego algumas vezes tateando uma sombra incompreensível que fala e que fuma e que finge estar viva. Só finge! Uma sombra precisa de luz para ser viva. Um amor precisa de vida para reluzir. Eu preciso de ambos para existir.

Agora podemos ir, dobrar uma esquina qualquer, reconhecer que a vida tem seus tropeços, seus problemas e seus soluços. E soluços nada mais são do que palavras que morreram engasgadas na vontade de dizer. O tempo dirá, o remorso roerá, o cigarro apagará e eu tenho a mais absoluta certeza que outra beleza menos confusa e mais Clara amanhecerá no meu mundo para me amar como eu não te amei.

E se você foi covarde, tudo bem… Todo mundo tem suas fraquezas. Nem todo mundo aguenta ser feliz. Eu também preciso de uma Trégua…

Fique com seus romances latinos;

Eu versifico com os meus poemas batidos:

O amor é bem mais do que isso… O amor é bem mais do que tudo isso."



Eu me chamo Antônio

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Balanços


Este ano eu fui fiel a mim. Tanto cansaço para descobrir (ou perceber?) que o problema esteve sempre no meu modo de não deixar ser. Com os caras da minha vida, quase sempre joguei duro: "ou demonstra interesse, ou cai fora" - mas nunca houvera tido tal ousadia com os amigos. Sempre cedia, sempre me dava, sempre dava um jeito de me ser para eles. Mas, com o tempo, o cansaço realmente pesa. Você começa a perceber um 'tanto faz...' com  gosto amargo numa proposta feita com ânimo.Você nota que o recadinho virtual de parabéns não tem o mesmo calor de um abraço, ou o mesmo carinho da voz longínqua ao telefone, nem o cartão com dizeres simples e bobos, só para você, deixam de chegar.
Neste momento, você nota que seus amigos não te notam.
Não percebem sua ausência quando presente, ou o vazio que o rodeia.
Se você para, talvez eles não percebam que você não está mais ali.
Alguns retornam. Sempre há os que realmente se importam. Há aqueles que veem você realmente. E há os novos que chegam. A maioria, acostumada com um "sempre ser", se sente ofendida com o "esperar sentir", faz parte. Apenas quem realmente nota, olha, tenta entender, sentirá sua falta e dirá: "Não quero te perder", como os homens. Assim como você ou eu diremos algum dia também. E a esses, cabe a escolha de aceitar ou não esta renovação da promessa. Como nos relacionamentos amorosos, já que a verdadeira amizade é amor. A via dupla, o esperar sentir, não foi o mais tranquilo caminho a escolher, justamente por nunca havê-lo trilhado. Mas foi o caminho que me tirou o peso do cansaço da amizade e me trouxe a leveza dos amores que se dão, que fazem questão, que sempre retornarão.
A amizade que não é o "de graça", mas o "espontâneo".

CBO
25/11/13

Meu Mantra

"Olho para o Augusteum e penso que, no final das contas, talvez a minha vida na verdade não tenha sido tão caótica assim. É apenas este mundo que é caótico e nos traz mudanças que ninguém poderia ter previsto. O Augusteum me alerta para eu não me apegar a nenhuma ideia inútil sobre quem sou, o que represento, a quem pertenço ou que função eu poderia ter sido criada para executar. Sim, eu ontem posso ter sido um glorioso monumento a alguém - mas amanhã posso virar um depósito de fogos de artifício. Até mesmo na Cidade Eterna, diz o silencioso Augusteum, é preciso estar preparado para tumultuosas e intermináveis ondas de transformação."

Comer, rezar, amar; página 83.

Hipóteses

E se, hipoteticamente, eu realmente for uma flor?
E se eu me encho de espinhos, tão brutalmente, por ser uma flor?
E se eu estou, hoje, murcha, apenas por minha natureza de vir a desabrochar?
E se, por ser flor, hipoteticamente eu tenha que ter alguns galhos quebrados e cortados, nas fissuras do tempo, para permanecer em minha condição e beleza natural?
E se, enquanto sou flor, e se assim sou, minhas lágrias se apresentam como alimento para minhas raízes mais profundas?
Será que, por ser flor, meu destino seja servir para mãos que amam, destinos que se encontram, beijos agradecidos e, por fim, morrer lado a lado com um poema de Vinícius ou uma carta de amor?

Talvez eu seja flor.

Mas tudo isso é demasiadamente hipotético.


CBO

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Quarta, Quatro de Dezembro: acordei para ser amada.



Em suas mãos eu viro espuma e deslizo doce entre seus dedos, feliz e radiante, como toda bolhinha de sabão.




C.B.O.