sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Trechos do conto "Os Cimos" - Guimarães Rosa

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"Outra era a vez."

"E o Menino estava muito dentro dele mesmo, em algum cantinho de si. Estava muito para trás. Ele, o pobrezinho sentado."

"O quanto queria dormir. A gente devia poder para de estar tão acordado, quando precisasse, e adormecer seguro, salvo."

"A vida não parava nunca, para a gente poder viver direito, concertado?"

"Enquanto a gente brincava, descuidoso, as coisas ruins já estavam armando a assanhação de acontecer: elas esperavam a gente atrás das portas."

"Deitado, o Menino se sentia sustoso, o coração dando muita pancada."

"Quase como assistir às certezas lembradas por um outro; era que nem uma espécie de cinema de desconhecidos pensamentos; feito ele estivesse podendo copiar no espírito ideias de gente muito grande. Tanto, que, por aí, desapareciam, esfiapadas."

"Mas, naquele raiar, ele sabia e achava: que a gente nunca podia apreciar, direito, mesmo, as coisas bonitas ou boas, que aconteciam. Às vezes, porque sobrevinham depressa e inesperadamente, a gente nem estando arrumado. Ou esperadas, e então não tinham gosto de tão boas, eram só um arremedado grosseiro. Ou porque as outras coisas, as ruins, prosseguiam também, de lado e do outro, não deixando limpo lugar. Ou porque faltavam ainda outras coisas, acontecidas em diferentes ocasiões, mas que careciam de formar junto com aquelas, para o completo. Ou porque, mesmo enquanto estavam acontecendo, a gente sabia que elas já estavam caminhando, para se acabar, roídas pelas horas, desmanchadas..."

"A uma das árvores, chegara um tucano, em brando batido horizontal. Tão perto! O alto azul, as frondes, o alumiado amarelo em volta e os tantos meigos vermelhos do pássaro - depois de seu vôo. Seria de ver-se: grande em ramo, comia da árvore carregada. Toda a luz era dele, que borrifava-a de seus coloridos, em momentos pulando no meio do ar, estapafrouxo, suspenso esplendentemente."

"Mas feito se, a cada parte e pedacinho de seu voo, ele ficasse parado, no trecho e impossivelzinho do ponto, nem no ar - por agora, sem fim e sempre."

"Apanhava com o olhar cada sílaba do horizonte."

"O hiato - o que ele já era capaz de entender com o coração."

"A tornada do pássaro era emoção enviada, impressão sensível, um transbordamento do coração."

"Entretempo, se atrasava numa saudade, fiel às coisas de lá."

"O Menino sorriu do que sorriu, conforme de repente se sentia: para fora do caos pré-inicial, feito o desenglobar-se de uma nebulosa."

"Sorria fechado: sorrisos e enigmas, seus. E vinha a vida."

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