domingo, 22 de setembro de 2013

Vagas Vidas

O que há com minhas escolhas que se tornam sempre escolhos na minha frente? O que há com minhas fracas mãos que não sabem escolher, não sabem acolher, não sabem rejeitar?
Um misto de vazio, desamor, desquereres.
"Há vida lá fora, aqui dentro, sempre, como uma onda no mar", é o que toca no som, é o que permanece em mim... um questionamento constante se minhas opções são realmente oferecer o que eu tenho de melhor. Ou deixar receber o que há de melhor pra mim. Estou confusa. Aqui dentro lateja algo, não sei, uma des-sintonia. Um desencontro de sensações.
Me sinto essa onda, que vai e volta, pois minha vida não muda. Há pequenas evoluções em  um quadro que é o mesmo. Sinto muito não ser emocionalmente burra. Sinto muito ser emocionalmente tão lúcida.
Quero uma dose de burrice nas minhas veias, no sangue que bombeia meu coração.
Não saber, quero deixar que flua, não pensar.

Há momentos que eu estou sozinha no escuro. Meus medos invadem minha cama. Medo, maior, de que nunca, nunca mais volte a sensação de uma escolha lucidamente saudável, como fora uma vez. Medo de que eu permaneça jogando com minha lucidez, como se não tivesse a ciência, tão plenamente transparente, de que o amanhã será o previsto, e nada mais.

Pedir para ficar ou deixar que se vá...

Dúvidas de uma primeira noite primaveral...

(Do outro lado da porta bate um sentimento de segurança no sujeito oculto mas determinado. Porém, sujeito com verbo intransitivo. O não-ser. Tempo: pretérito mais-que-perfeito. Sensação térmica: frios e calores intercalados. Batimentos cardíacos: infinitamente amareláveis.)


CBO

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Semana SP na página Poesia Brasileira...



... Até que um dia,

quando menos se espera,

surge uma casa dentro do sertão

surge outra casa dentro do sertão

surge outra casa uma porção de telhas novas cor

de brasa uma porção de casas.




E uma cidade como caixa de surpresa

listou de branco e de vermelho o silêncio da grota.

Um trem de ferro passa cheio de imigrantes...
(Há em seu apito como um grito de alvorada e de tristeza:
há em toda terra um choro típico de criança,
gosto de lágrimas misturadas com esperança).
-

Cassiano Ricardo


Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que dove n'alva
Acorda a natureza mais loucã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
-

Alvarés de Azevedo


E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

-
Hilda Hilst


AXIOMA

Sempre é melhor
saber
que não saber.

Sempre é melhor
sofrer
que não sofrer

Sempre é melhor
desfazer
que tecer

vemos por espelho
e enigma

(mas haverá outra forma
de ver?)

o espelho dissolve
o tempo

o espelho aprofunda
o enigma

o espelho devora
a face

leio
minha mão
livro
único.
-

Orides Fontela


Se tua língua
linda, de longa
lábia se aninha
em cada lábio
lábil da minha
trompa de EUSTÁQUIO
e langue-lenga,

a minha língua
logo se vinga,
lambe o batom
sabor de ópio
de tuas trom
pás de FALÓPIO
e por lá míngua.
-

Nelson Ascher

sábado, 14 de setembro de 2013

Delírio

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!


Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.


Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.


No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci....

poesia sem nome



Há mar

longe dos

oceanos?

Amar em

qualquer

lugar.


(Tiago Cadena)



terça-feira, 3 de setembro de 2013

Todas as Cartas de Amor são Ridículas






Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.




Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos