quinta-feira, 12 de junho de 2014

Os doces dozes em junho...

(Essa carta é para um alguém.)

Há quase três anos eu prometi a mim mesma que nunca mais comemoraria os dias 12 de junho. Nunca mais. Ele houvera representado tanto, tão intensamente... não havia como comemorar outros dias 12 com outras pessoas, sem o ranço de sua memória. Tanto é que hoje, três anos depois, escrevo esta carta para você.
Mas há um bom tempo eu sei que o que nós vivemos já acabou de fato. Foi bom, durou muito, mas acabou. Acabou quando devia acabar. E você sempre morará no meu coração. Não assim, inteiro e saltitante, mas como a memória dos nossos dias bons, como um toque suave da vida. Você foi uma parte maravilhosa da minha vida e comemorávamos nossa união nos dias doze de junho, quando, finalmente, nossos corpos se uniram do modo como as nossas almas já haviam feito.
Foi tudo tão bonito e tão pleno que hoje, três anos depois, não consigo compreender por que quis deixar de comemorar. Olhe que bonito é o amor! Tão bonito sentir, saber que sente, compartilhar o amor. Essa sensação de plenitude é o que nos move, nos tira do lugar, nos  leva a crescer, a sermos seres humanos mais humanos.
Não quero mais pensar em não comemorar o amor. Quero gritá-lo aos ventos assim que senti-lo. Sempre me sinto radiante quando o amor me cerceia... mesmo que ainda não tenha se enraizado na minha pele durante todo esse tempo. Eu não estava com a terra  fértil para o amor, por isso ele não se reproduzia assim... ele não fertiliza ao vento. Agora, sinto como se estivesse germinando amor a todo momento, como se o amor estivesse me rondeando de modo constante, louquinho para fazer parte dos meus dias. O amor intenso. Amores da imensidão de viver. O amor que avassalará minha vida, por fim.
Apesar do rancor, os 12 de junho nunca foram data para proclamar o ódio. Preferi me calar, preferi não dizer, preferi fingir que não faria falta "matar" um dia por ano. Mas não mais. Agora ouço "Ah, o amor... quando é demais ao fim da leva há paz..." na voz da Bethânia, cantando "Preciso aprender a ser só". Bonito. Bonito para essa data bonita, mesmo que eu esteja a ser só. Talvez já tenha aprendido como sê-lo.
E fico feliz de que exista um dia para comemorar o amor. Mesmo que seja uma data comercialmente criada, mesmo que haja tanta ilusão e mentiras que rondam esse dia, é uma forma de esperança, um rastro de luz no meio às ruas escuras da vida. Fico feliz por ver pessoas comemorando um amor de verdade. Pessoas que usam essa data para relembrar de onde o amor veio. Para comemorar o que os mantem juntos.

Não há motivo para renegar os doze de junho. Muito menos por você: um alguém que me fez ver,  viver e sentir todo o significado do amor.

Obrigada pelos sentires. Obrigada pelas lembranças. Obrigada pela paciência dos aprendizados.

Agora corre a barca.
[Criseida]
...
Ô diazinho bom pra se comemorar o amor!
Por isso, divido um trecho de amor que li neste ano, que chorei muito quando li. De alguém que tinha conseguido ser alguém inteiro finalmente. Mas então, decidiu que seria melhor se fosse o dobro do que era. E ai, encontrou-se com alguém que ainda não era nada. Juntos, formaram um algo. Eis Valter Hugo Mãe, em "O filho de mil homens":


A Isaura explicou ao Crisóstomo que se sentia assim, urgente. Depois disse-lhe que a Maria morrera. Depois disse-lhe que se sentia sozinha no mundo. O Crisóstomo beijou-a. Beijou a mulher que fora do homem maricas e disse que a amava. Talvez ainda não fosse o dobro de um homem, mas era já, sem dúvida, muito mais do que um homem inteiro. Podia mais do que um homem inteiro. Podia muito mais. Disse-lhe: havemos de compor as coisas. Também eu percebi essa urgência. Mas não quero uma mulher qualquer, alguém ao acaso que me leve e me use. Quero-te a ti. Quero a mulher que fala sozinha com a areia e o mar, a que veio ao meu encontro exato. A Isaura sentiu que estava triste e feliz ao mesmo tempo.
Ela perguntou: podes repetir.

Ele disse: amo-te, Isaura.

Subitamente, metade das coisas pareciam compostas.



[CBO]

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Amadacendo



O dia começou como se fosse ser uma longa segunda-feira. Fazia frio quando acordei e lá fora o clima London não ajudava muito os ânimos. Minha companheira de casa viajou e eu me senti um pouco mais sozinha, no meio de tantos borburinhos de festa. A primeira coisa que fiz, ao abrir o computador, foi decidir que a escrita abrandaria meu cansaço. Empenhada pela inspiração das musas, comecei a escrever um texto bobo que me ajudasse a me encontrar. No meio deste processo, um amigo me surpreendeu dizendo que teria algo para mim. Na distância, o que será?
Era um gentileza de amor. Virei letra e escrita no Outro.
Há muito tempo alguém não escreve para mim/sobre mim assim. Não que eu saiba. E esse modo doce e poético que só fez surgir a emoção ao ver suas palavras, Xaion. De fato, meu dia foi surpreendente depois disso.

Obrigada, meu querido!

"Cris(is)
A neblina da Dutra não me deixa ver o caminho por onde vou. Não é igual a neblina dos parques, que deixa tudo branco e possível, como o sonho infantil de ver a neve. Não é como no branco sorriso que, em cada detalhe, me deixa aberto para esquentar a vida.

Tomo uma cerveja e é segunda-feira. Tomo o dia de hoje para refletir. Procuro para mim um sorriso que me acalme mais que o baseado que não fumo. Vivo essa experiência de encontrar alguém que, só de sorrir, me faz feliz, ajudando a desafogar de dentro do eu-neblina o eu-em-que-posso-ser-e-fazer-feliz.

Quando ela fala, não preciso mais procurar. Em algum lugar, acho que no meu coração, ela sempre está sorrindo." — com Marcelo Xaion.










[Criseida]




Cur

Outonar.


Afogo-me no escuro do dia. Ainda caem cinzas de uma brandura morna e constante que me acompanha. Estou apenas comigo mesma e já não me basto. Os muros são altos demais para minha capacidade de imaginação. Sentada no escuro, minto para as minhas preces. Apregoo uma religião de dor e cansaço que faz parte do meu cotidiano mais secreto.  Miúda menina mal-amada.

A escuridão se esgueira pela fresta da porta central e escorre lentamente até alcançar meus pés. Encostada em mim, passa a fazer parte melhor dos meus medos,dos meus suspiros. A escuridão é negra como olhos lancinantes que me penetram. A escuridão brilha como uma chama que acende minhas manhãs todos os dias. Graças à escuridão do viver que eu sigo buscando uma nova chance, uma nova estrada. Tateando meu vago futuro, vou encostada em mim e em minha escuridão.

Num desapego leve, sinto-me desprender de sua mão e me afogo em um escuro pleno, todo feito para mim. Esqueço-me então da classificação de bom ou ruim. Esqueço tantas quantas classificações que minam nos dias agora já sem memória. Dias que ficaram para frente. Afogada sem aflição, sou a menina que cai e deixa-se cair, na certeza de que uma boa aurora aguarda minha tão atrasada presença. Lanço-me ao sol que eu não conheço. O medo de cair não mais existe, porque o medo não sabe existir onde não há classificações de viver. O escuro trucida minhas angustias porque permite que eu não saiba quem eu sou enquanto caio e, magnificamente, que eu não me importe com o fato de não saber. A ciência, enfim, tornando-se mito.

O escuro é o ponto alto de um mundo curto, todo feito para amplificar os sons do de-dentro. Pelo escuro o caminho é sempre um novo e um velho, um cheio e um vazio, uma consagração do que não se sabe, enfim. Apenas através da  escuridão amortalho as alegrias ausentes há anos. Já não respiro. Sobra-me vida enquanto se torna rarefeito o ar dos meus desafetos. Não sei mais respirar os medos que por tanto tempo me acompanharam, sadios e contentes, a levar-me pela mão e dizer-me não, tantas e quantas vezes possíveis. Não consigo mais respirar embaixo dessa água escura que me cobre dos pés à cabeça. O ar... ar.... não há ar. Logo não haverá também como identificar as sensações que passo agora que começa a me faltar aquilo que eu  tanto reconhecia em mim. Estou sofrendo uma transmutação que não me permite sequer compartilhar-me contigo. Escrever no escuro é esquecer a essência.

...estou caindo. O escuro me empurrou tão forte que não sei mais o caminho de volta. Houve caminho, pergunto. Sinto-me sentindo. Pressinto que nunca havia me permitido sentir. Sentir é assim tão interno que me ruboriza. Abria-me para os sentires como uma rosa ao mundo, aos poucos, com tato, plena de restrições. A escuridão que surgiu pela porta e tocou os dedos dos meus pés não mais deixou que o sentimento se construísse assim, no insosso. Uma escuridão toda apressada de viver veio se vingar da minha lógica vida me tornando uma vaga pessoa viajante. Estou afogada no escuro. Sinto-me molestada por este sentimundo.

Sinto.

[C.B.O.]

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Trágica.

Sentada no meu quarto, estou três tristes de mim. Ainda é segunda-feira, ainda há sol, ainda não é inverno, ainda há calor e frio na minha cama agora vazia.
Sentada, sou só.
Eu e uma máquina alvoroçada que me cobra tempo e tarefas, escritas e parágrafos. Cada dia digito mais e melhor e vejo surgir diante de mim algo que um dia chamarei de filho e, logo mais tarde, desejarei que desapareça.
Três tristes.
Fui dormir na sensação de vazio. Quis entrar embaixo do chuveiro para derramar lágrimas, mas, de tão vazia, nada saiu. Nada, a não ser uma memória quase apagada. Fiz as contas e logo já teremos muitos anos de conhecido e conhecida, amigo e amiga, e nada além de outros suspiros curtos e conversas estranhas.
Voltei para a cama agridoce. Encontrei lá um pedaço que não era eu, que não sei o que é, que me deixa confusa e aflita. Ao mesmo tempo em que me acalma e me suga as fibras e existir.
Em sua breve partida, deleitei-me de Clarice que aos murros me dizia como é difícil. Eu li em voz alta as coisas difíceis que ela me dizia quando ele voltou. Deitou-se e ficou fazendo parte melhor de mim, de meus interiores.
Quis não pensar, quis não pensar, quis não pensar: era tarde.
Estou sentada pensando e triste. Estou três vezes triste porque eu penso, porque eu não sei e porque eu o conheço. São três tristezas  sem métrica e sem rima.


...


Por coincidência engraçada dos viveres, apenas agora, ao fim da escrita, percebo que a noite terminará com a peça "Trágica(ponto)3". Nada na vida são coincidências, não é mesmo?

[cbo]

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Escravos de um(a) si(na)

Escrever para libertagem. Escrever a libertinagem. Escrevizagem. Escravagem.
Escrava de mim e de minhas tantas amarras de vida. Escrava de uma escrita que me acorrenta nesse modo de ser que não escolho, mas sou escolhida. Presa a tantos desalinhos, caminho na certeza de que as coisas boas virão. Sei que estão à bordo junto a meu novo navio. Um navio chamado vidaqueurge. Nos contrapassos das noites tempestuosas, deixo no caminho cair tudo aquilo que não me pertence mais, mesmo que a necessidade de que permanecesse no pertencimento se apresente no desconsolo de deixar traços na passagem. Viajo. Certa hora da noite, surge a lembrança de que o meu caminho é o desconsolo de um barco sem âncora. Não há prisões. Não há quem abrace meu barco para dizer que a tempestade, um dia, enfim, irá embora.
Sou eu quem vai.
Vou, mesmo que sempre fique. Engraçadas são as agonias da vida.... forneço passagem gratuita para um mundo que não é o meu. Basta que me toque, basta que me balance, basta que se aproxime demais de minha embarcação.
Minha passagem é, em geral, de ida apenas. Mas você volta.Vocês sempre voltam. Ao certo voltam por outros caminhos, novas pontes, novos atalhos de viver, novos embarques. Sou o triunfo de alguém que dá o ponta-pé certeiro. O pontapé que te manda ir viver a vida... longe de mim. O melhor pontapé. O pontapé de alguém que quer o outro bem, mesmo que fique sem nenhuma esperança.
Sou escrava de minhas agonias. Durmo e acordo na certeza de que o sorriso irradiante e avassalador que chega se vai com a mesma pressa de existir. A mesma ânsia, a mesma fúria, a mesma euforia.
Sobram-me os momentos e os olhares e os gestos que ficam quando a casa foi limpa, quando o lençol foi trocado, quando os cabelos embranquecem.
Um sorriso perdido no escuro.

Salve-se com um copo de vinho e um cigarro aceso na madrugada. E mais um "até logo".

[cbo]

nerudagem



2

Yo no lo quiero, Amada.

Para que nada nos amarre

que no nos una nada.




Ni la palabra que aromó tu boca,

ni lo que no dijeron las palabras.


Ni la fiesta de amor que no tuvimos,
ni tus sollozos junto a la ventana.

3
(Amo el amor de los marineros
que besan y se van.

Dejan una promesa
No vuelven nunca más.

En cada puerto una mujer espera:
los marineros besan y se van.

Una noche se acuestan con la muerte
en el lecho del mar.

4
Amo el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.

Amor que puede ser eterno
y puede ser fulgaz.

Amor que quiere libertarse
para volver a amar.

Amor divinizado que se acerca.
Amor divinizado que se va.)

....
[NERUDA, Farewell, y los sollozos]

poetizagem



Carnes rijas:

Só faz esconder

Um coração mole.




Com o tempo,

E as carnes amolecidas,

As armarguras vividas

Farão o coração empedrar?




(CBO)