sexta-feira, 31 de maio de 2013

Poesiando



Eu quero ser possuída por você,pelo seu corpo,

pela sua proteção, pelo seu sangue.

Me ama!

Eu quero que você me ame e fique eternamente me amando dentro de mim.

Com sua carne e o seu amor.

Eternamente, infinitamente dentro de mim

me envolvendo, me decifrando, me consumindo, me revelando...

Como uma tarde dentro do elevador, no verão, voltando da praia

e você me abraçou e eu te abracei...

E quanto mais eu me entregava, mais nascia o meu desejo,
Mais sobrava só o desejo, e mais eu te queria sem palavras, sem pensamentos...
A vida inteira resumida só no desejo da tua boca dizendo o meu nome,
Da tua mão conduzindo a minha mão,
Do teu corpo revelando o meu corpo,
Como se o mundo fosse pela primeira vez,
Você o meu ponto de referência nessa cidade...

José Vicente

----

"Quero dizer-te uma coisa simples:
a tua ausência dói-me.
Refiro-me a essa dor que não magoa, que se limita à alma;
mas que não deixa, por isso,
de deixar alguns sinais -
um peso nos olhos, no lugar da tua imagem, e um vazio nas mãos.
Como se as tuas mãos lhes tivessem roubado o tato.
São estas as formas do amor,
podia dizer-te; e acrescentar que as coisas simples
também podem ser complicadas,
quando nos damos conta da diferença entre
o sonho e a realidade.
Porém, é o sonho que me traz a tua memória;
e a realidade aproxima-me de ti,
agora que os dias correm mais depressa,
e as palavras ficam pressas numa refração de instantes,
quando a tua voz me chama de dentro de mim -
e me faz responder-te uma coisa simples,
como dizer que a tua ausência me dói."

Nuno Júdice

---


Ao se levantar, muito cuidado, amigo,
Não ponha os pés no chão. Corre perigo
se há nylon no tapete: ele dá câncer.

Pise somente no ar, mas com cautela.
Uma pesquisa sábia nos revela
esta triste verdade: o ar dá câncer.

À hora do café, não seja pato,
pois tanto açúcar como ciclamato
e xícara e colher, sorry: dão câncer.

O banho de chuveiro? Não tomá-lo.
O de imersão, também. Sinto informá-lo
do despacho londrino: água dá câncer.

Não se vista, meu caro ou minha cara.
Um cientista famoso eis que declara:
na roupa, qualquer roupa, dorme o câncer.

A nudez, por igual, não recomendo,
a fim de prevenir um mal tremendo:
sábado apurou-se que o nu dá câncer.

Rumo ao batente, agora. Antes, porém,
permita que eu indague: o amigo tem
um carrinho? Que azar. Carro dá câncer.

E coletivo, nem se fala. Em massa
Aumenta a perspectiva de desgraça.
No ônibus, no avião, viaja o câncer.

Invente um novo meio de transporte
para ir ao trabalho, e não à morte...
Mas sabe que o trabalho já dá câncer?

Isso mesmo: afirmou-se com certeza
uma nega com o nome de Teresa
que dar duro é uma fábrica de câncer.

Pare de trabalhar enquanto é tempo!
Mas evite o lazer, o passatempo,
que no jardim da folga nasce o câncer.

Dormir? Talvez. Ou antes, nem pensar.
Em sonho, pelo que ouço murmurar,
é quando mais solerte chega o câncer.

O amor, então, é a grande solução?
Amor, fonte de vida... Essa é que não.
Amor, meu Deus, amor é o próprio câncer.

Viva, contudo, sem ficar nervoso,
mas sabendo que é muito perigoso
(lá disse o Rosa) e que viver dá câncer.

Já que você nasceu... Ah, não sabia
deste resumo da sabedoria?
Nascer, mero sinônimo de câncer.

Resta morrer, por precaução? Nem isto.
Veja, no céu, o aviso trismegisto:
no mundo de hoje, até morrer dá câncer.

Viva, portanto, amigo. Viva, viva
de qualquer jeito, na esperança viva
de que o câncer há de morrer de câncer.

Ou morrerá – melhor – pela coragem
de enfrentarmos o horror desta linguagem
que faz do câncer dor maior que o câncer.
Pois se souber do trágico brinquedo
que é ver câncer em tudo desta vida,
o câncer vai morrer – morrer de medo.

Carlos Drummond de Andrade

----


Manoel de Barros
'... que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica,nem com balanças, nem com barômetros, etc... Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produz em nós.'


----


Mulheres de Poesia.

" Não creias nos meus retratos,
nenhum deles me revela,
ai, não me julgues assim!

Minha cara verdadeira
fugiu às penas do corpo,
ficou isenta da vida.

Toda minha faceirice
e minha vaidade toda
estão na sonora face;

naquela que não foi vista
e que paira, levitando,
em meio a um mundo de cegos.

Os meus retratos são vários
e neles não terás nunca
o meu rosto de poesia.

Não olhes os meus retratos,
nem me suponhas em mim."

Gilka Machado

Sobreosamores.



Quero um amor alucinado, depravado, tarado.

Amor inteiro, de corpo-a-corpo, enlaçados.

Amor sem reserva, que a tudo se entrega, lancinante.

Quero você assim, abrasada, pedindo gozo,

Eriçada, ronronando feito gata, tesuda.

Seus seios túmidos, me furando o peito.

Quero você, pentelho contra pentelho, roçantes.

Carne encravada na carne. Bocas coladas,

Babadas, meladas, sangrando sufocadas.

Quero amar você tão bichalmente que urremos.
Eu, penetrando rasgando. Você me comendo furiosa.
Nós dois fundidos, unidos, soldados.
Você e eu, nós dois, sós, neste mundo dos outros.

Darcy Ribeiro


----


Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.
-

Adélia Prado


------


Ele era
um substantivo
Eu
um adjunto adverbial

não tínhamos conexão

mas em poesia
a desregra
é a mais valia.
-

Talles Azigon


--------


Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.

Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.

Clarice Lispector


--------

domingo, 26 de maio de 2013

Adeuses.





Quantas vezes você já disse “adeus” querendo dizer “fica comigo”? Quantas vezes você disse “eu vou ficar bem” mesmo querendo dizer “está doendo demais”? Quantas vezes você precisou deixar alguém sair da sua vida mesmo sabendo que era com ela que você queria ficar? Pois é. Muitas, não? Eu, por exemplo, já perdi as contas de quantas vezes me aconteceu. E, confesso, sempre me achei fraca por permitir que isso tudo acontecesse na minha vida, mas hoje eu vejo o quanto fui forte, porque não é fácil dizer “adeus”. Talvez amar seja isso, esconder as lágrimas com um sorriso e dizer “adeus” mesmo querendo que a pessoa fique.

Amar também é aprender a dizer adeus.

(Dani Lusa)





quarta-feira, 22 de maio de 2013

Chicozices...



''Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo. Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora.''

(Chico Buarque)

terça-feira, 21 de maio de 2013

Algumas do Renato



“Eu sou um monstro, não é? Eu sou arrogante, egoísta, ambicioso, pedante… Ah, eu me acho o máximo! Aí eu penso: Renato, você está dando uma de bonzinho, mas no fundo isso é vaidade, você é pior do que todo mundo. Meu Deus, e se for verdade? O Grande Arquiteto do Universo lá é que sabe. Eu tento. Eu sou muito jovem, isso realmente vem com o tempo, eu já não fico mais tão nervoso. Mas eu ainda sou desbocado, impulsivo, impaciente, ansioso, violento, ciumento… Eu também arrisco bastante, e isso é uma coisa positiva. Eu sou tipo: ah, é para cortar o braço? Pronto, cortei; e agora? Eu não tenho medo de fazer certas coisas. Às vezes, você se queima, mas é uma qualidade. O que eu quero é ter disciplina, controlar o lado das emoções desenfreadas, o mau humor. Eu percebo que as pessoas que se amam de verdade conseguem isso. Eu fico na dúvida: será que eu já amei alguém de verdade? Have I ever loved anyone? Sim e não. Aquela coisa de respeito mútuo, de respeitar o outro como parte de você e, ao mesmo tempo, como um ser totalmente diverso, é quando pinta o amor de verdade, que é cada vez mais raro. Mas é uma coisa que eu quero trabalhar. A partir do momento que você consegue isso com uma pessoa, você vai estendendo para as outras. Energia chama energia — “Dize-me com quem andas e eu te direi quem és”. Mas falar é tão lindo, eu vou sair daqui e vou fazer a estupidez de sempre. Eu gostaria de disciplinar este plano, de ser uma pessoa forte, no sentido de ter segurança. Se você quer ter alguém em quem confiar, confie em si mesmo. Sei lá, muitas vezes você entra em cada depressão por causa de babaquice…”

— Renato Russo.

domingo, 19 de maio de 2013

Os escritos que se perdem no caminho...

Debaixo da janela do
edifício dourado
Dormem endiabrados
sob o duro chão
e o fétido cheiro de
doenças, dezenas de
doudos e cães.
A madrugada cai
sob a pele e dilata
a veia dos que se picam
com doses exageradas
de água suja.
(Podre feito a neve cinzenta)

Há uma nuvem de pó que
se faz coberta;
E o consolo dos ratos
como companhia.

Mas o esgoto, permanece aberto.
(29/10/2009)

A menina e o Cachimbo

E tanto a Menina tragou as primeiras luzes do amanhecer nebuloso,
que ao despertar já era noite novamente.
(30/10/2009)

É preciso parar
para cuspir;
ou então a doce morte
do sono não me alcança.
(29/10/2009)



C.B.O.


terça-feira, 7 de maio de 2013

Pensares

A Biologia é uma Ciência engraçadíssima. Ela deu o nome de Inquilinismo ao fato de algumas árvores receberem "hóspedes" em sua casa.
Árvores, assim como caracóis, tem a casa sempre consigo, são casas por 24 horas no dia: algo do tipo coração de mãe.
E, por falar e coração de mãe, os inquilinos.
Como podem definir, os biólogos, que os inquilinos são plantas que se beneficiam de outras para sobreviver, mas sem dar nada em troca?
É nada mesmo?
Será que os biólogos não saem às ruas, aos matos? Será que não observam os milhares de inquilinos por aí?
Ou melhor: será que os biólogos entendem o motivo pelo qual nós, mulheres, nos enfeitamos com brincos e pulseiras e colares - que tantas vezes pesam muito! - ?
Não, meus caros biólogos, não é uma relação de mão única!
Aprendam com o olhar o conceito das vidas - as árvores que cedem seu alimento aos inquilinos é a mesma que se torna mais bela com sua presença. Você já olhou uma árvore com inquilinos, ao lado de uma sem?
Por muito tempo - e por culpa da Biologia - eu olhava as árvores pensando em como eram coitadinhas - sendo sugadas por outras plantas!!!
Mas o tempo, é esse Senhor, mostrou que a necessidade de sobreviver anda emparelhada com a de se doar - e, deste modo, se tornar mais belas. Como nós, mulheres, e nossos artefatos.
E, tudo isso, apenas para dizer que hoje vi inquilinos novos em uma árvore.
Feito um colar, rodeavam seu tronco e fremiam com o vento outonal que sopra no horário do almoço.
Eu vinha séria, concentrada, com sono, dentro do ônibus. De repente vi, de repente ele parou na frente da árvore, de repente, então, sorri.
Eram inquilinos verdes em formato de coração maduro.
E fim.

CBO

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Sentires.



Não sei sentir pouco.

Eu sinto.

Sinto muito,

mas eu sinto,

MUITO.

domingo, 5 de maio de 2013

O direito à poesia

Me deixem!
Deixem que flua em mim toda a necessidade frêmula de palavras descoordenadas.
Deixem que pensamentos misturados se confundam em meus discursos.
Deixem que eu diga rosas ao invés das duras verdades.

Me deixem!
Permitam que eu poetize meus dias,
Que eu reconstrua meu real,
Que o deleite de meus feitos seja transmitido por vocábulos transcendentais,
Que eu acredite que possa voar.

Me deixem!
Podem me esquecer, nessas semanas em que sou tão casulo
Ou podem me amar, ainda mais,
Quando o que sai de minhas veias é lirismo absoluto.
Mas se permitam também!

Caso não consigam se desligar dessa necessidade impermeável de ser racional
Permitam que outros, como eu, trabalhem com as pedras no caminho
Que outros, saudosos, esperem o canto dos sabiás,
Que haja beleza no ramo caído de uma árvore
No sibilar dos ventos
Na dança de uma borboleta ao seu redor.

Me deixem, eu peço.
Deixem que eu seja uma extensão de mim,
Não permitam que eu corte o meu próprio cordão umbilical,
Incentivem para que meu eu continue presente, mesmo nos momentos mais introspectivos.

Seja,
Você também,
Um pouco poeta, um pouco amor.

A razão não consegue traduzir os sentires,
Não comporta uma reflexão colorida da vida,
Importa-se pouco com as falhas que há em você.
A razão quer respostas,
Quer o agora,
Quer que você conserte todos os buracos da sua vida, já!

Pobre racionalidade,
Mal sabe que os buracos são refeitos a cada nova curva
A cada novo amanhecer.

E portanto, é bom, tantas vezes, poetizar.
Sentir que as borboletas voam ao seu redor.
Admirar as rosas brancas que nascem nas esquinas de sua vida.
Vibrar com a cor amarela, tão sobrevivente mesmo nos dias mais solitários.

Deixem, simplesmente, deixem.


[C.B.O.]

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Namore um cara que lê






(Baseado no "Namore uma garota que lê", texto escrito pela Rosemary Urquico e traduzido e adaptado para o português por Gabriela Ventura)




Namore um cara que se orgulha da biblioteca que tem, ao invés do carro, das roupas ou do penteado. Ele também tem essas coisas, mas sabe que não é isso que vai torná-lo interessante aos seus olhos. Namore um cara que tenha uma pilha de três ou quatro livros na cabeceira e que lembre do nome da professora que o ensinou as primeiras letras.

Encontre um cara que lê. Não é difícil descobrir: ele é aquele que tem a fala mansa e os olhos inquietos. Ele é aquele que pede, toda vez que vocês saem para passear, para entrar rapidinho na livraria, só para olhar um pouco. Sabe aquele que às vezes fica calado porque sabe que as palavras são importantes demais para serem desperdiçadas? Esse é o que lê.

Ele é o cara que não tem medo de se sentar sozinho num café, num bar, num restaurante. Mas, se você olhar bem, ele não está sozinho: tem sempre um livro por perto, nem que seja só no pensamento. O rosto pode ser sério, mas ele não morde, não. Sente-se na mesa ao lado, estique o olho para enxergar a capa, sorria de leve. É bem fácil saber sobre o quê conversar.

Diga algo sobre o Nobel do Vargas Llosa. Fale sobre sobre as novas traduções que andam saindo por aí. Cuidado: certos best-sellers são assunto proibido. Peça uma dica. Pergunte o que ele está lendo –e tenha paciência para escutar, a resposta nunca é assim tão fácil.

Namore um cara que lê, ele vai entender um pouco melhor seu universo, porque já leu Simone, Clarice e –talvez não admita– sabe de memória uns trechos de Jane Austen. Seja você mesma, você mesmíssima, porque ele sabe que são as complicações, os poréns que fazem uma grande heroína. Um cara que lê enxerga em você todas as personagens de todos os romances.

Um cara que lê não tem pressa, sabe que as pessoas aprendem com os anos, que qualquer um dos grandes tem parágrafos ruins, que o Saramago começou já velho, que o Calvino melhorou a cada romance, que o Borges pode soar sem sentido e que os russos precisam de paciência.

Um namorado que lê gosta de muita coisa, mas, na dúvida, é fácil presenteá-lo: livro no aniversário, livro no Natal, livro na Páscoa. E livro no Dia das Crianças, por que não? Um cara que lê nunca abandonará uma pontinha de vontade de ser Mogli, o menino lobo.

E você também ganhará um ou outro livro de presente. No seu aniversário ou no Dia dos Namorados ou numa terça-feira qualquer. E já fique sabendo que o mais importante não é bem o livro, mas o que ele quis dizer quando escolheu justo esse. Um cara que lê não dá um livro por acaso. E escreve dedicatórias, sempre.

Entenda que ele precisa de um tempo sozinho, mas não é porque quer fugir de você. Invariavelmente, ele vai voltar –com o coração aquecido– para o seu lado.

Demonstre seu amor em palavras, palavras escritas, falas pausadas, discursos inflamados. Ou em silêncios cheios de significados; nem todo silêncio é vazio.

Ele vai se dedicar a transformar sua vida numa história. Deixará post-its com trechos de Tagore no espelho, mandará parágrafos de Saint-Exupéry por SMS. Você poderá, se chegar de mansinho, ouví-lo lendo Neruda baixinho no quarto ao lado.

Quem sabe ele recite alguma coisa, meio envergonhado, nos dias especiais. Um cara que lê vai contar aos seus filhos a História Sem Fim e esconder a mão na manga do pijama para imitar o Capitão Gancho.

Namore um cara que lê porque você merece. Merece um cara que coloque na sua vida aquela beleza singela dos grandes poemas. Se quiser uma companhia superficial, uma coisinha só para quebrar o galho por enquanto, então talvez ele não seja o melhor. Mas se quiser aquela parte do “e eles viveram felizes para sempre”, namore um cara que lê.

Ou, melhor ainda, namore um cara que escreve.



(Enviado carinhosamente por Ramires Karamázov)

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Defensório


Meus mecanismos de defesa  sempre me deixam com essa sensação de solidão... É um vazio que me arrebata o chão.
Feito lâmina afiada, assim culminam meus sentimentos mais  quentes na hora do porém...
Um por quê se refaz a cada mínimas passagens de tempo, de modo que a pergunta-mor nunca esmoreça, sempre se apresente, seja constante.
Penso nas possibilidades mais retrógadas, do tipo não-me-importar. E ai, novamente, caio na velha armadilha de não ser eu. Desconheço animal que tente fugir mais de si para se adaptar ao outro. Animal, tão acéfalo, que não se aceita, que não se assume. Bixoburro é o que sou, é o que estou.
Numa constância de não me reconhecer nas decisões que preciso tomar. É preciso me impor a mim e, desta forma, criar um retrato digno do que eu sou, o do que eu estou: do que sou eu, neste minuto.
Os próximos passos são muito distantes para que eu recai sobre eles com um pensar fixo e doentio. É preciso que eu excomungue dessa necessidade de gênese e de futuro certos. Não há certeza nessa linha tênue que me mantêm viva no agora. E, se tudo é tão impreciso, por que motivo eu deva deixar de me-ser, deixar de me-escolher como guia?
Passo a outros as vontades que lhes cabem. Não há como recuar dessa escolha. Mesmo que ela gere  congelamentos e dores à flor da pele, os laços que dela resta serão a força de seguir a um “em frente” que pode durar horas, dias, eternidades.
Cristiane Oliveira.