segunda-feira, 31 de março de 2014

Luz, câmera: mutação!

No de repente, seu rosto começa a aparecer dentro do meu cotidiano. Procuro em meus desvios no tempo compreender como essa inserção se dava entre os casais há uns 20 anos atrás. Ou quinze. Há 15 anos atrás eu não era casal de ninguém, mas já me via suspirando algumas vezes, chorando pelos amores impossíveis e inventando grandes estórias e maravilhosos finais felizes.

Minto, eu sempre imagino grandes estórias e fins. Finais trágicos de todos os motes: mortes, traição, angústia.
Meu lado elaborativo criativo inconsciente tem um pé fincado nos filmes de terror. São atropelamentos, assaltos, desastres naturais, choro, sangue, lágrimas, dor... E sempre bolando uma maneira nova de sair dessas situações de risco (dramáticas) de uma forma que signifique: "me quebrei, mas saberei me reconstruir".

Pois é, meu cotidiano, minhas invencionices,seu rosto.

Há  quinze anos atrás as pessoas deveriam se apaixonar por pessoas que não estavam ali ao lado o tempo todo. Por isso haviam os passeios. Por isso,  uma vez eu procurei o endereço de um paquera na lista telefônica e, junto a uma amiga, seguimos o mapa da cidade para descobrir onde ele vivia, quem ele via todos os dias. Coisas de um "stalker" nada virtual, feita de paixão, loucura e suor.

Houve uma vez que mudaram o meu "amor platônico" de período na escola. Eu, como devem supor, quase morri. Chorei muito, muitos dias. Mas então, para compensar a perda, passei a ir mais cedo para o colégio. Que importa que as aulas começavam 12h30 e eu chegasse na escola uma hora antes? Sim, eu o buscava entre as centenas de crianças que saiam. Nos dias de sorte, ele me via, vinha me dar um abraço, falar um oi. Alguns anos depois, em um evento da cidade, depois de anos sem ir mais cedo para a escola, eu o vi. Nossos olhos se encontraram na multidão e eu lembro com clareza de haver escrito justamente essa frase sobre esse encontro. Se encontraram, mas sem se reconhecer. Triste isso, não? Tantas lágrimas dedicadas a um amor que, (agora) poucos anos depois, nem mais lhe reconhece como a amiga. 

E também havia o Bedi. Apelidinho secreto que dei a um grande amigo que tive e, também, um amor platônico. Por isso precisei renomeá-lo. O caso com o Bedi é algo que transcende minha compreensão no mundo dos amores. Foram tantos suspiros, tanta novela... e nunca houve nada, nadinha, nem um beijo roubado de supetão. É essa minha timidez calculista. Clarice Lispector costumava dizer que era tímida, mas uma tímida corajosa, por isso fazia as coisas que só os tímidos corajosos compreenderiam como e porquê. Eu muito tempo me senti tímida e corajosa, como ela. Mas, talvez, seja eu apenas uma tímida e calculista, brecando a todo o momento para não errar, para não me expor, para não falhar, para não falar...

O cotidiano com o Bedi durou alguns anos. Lado a lado sempre, ríamos, era divertido. Tínhamos  também nossas conversas com seriedade, pensando no mundo, pensando em melhorar o mundo. Contudo, apenas quando o cotidiano  terminou é que a coragem de tentar ficar mais perto bateu à porta. Nessa época eu morava já em outra cidade, eu namorava outros rapazes, e não só uma vez eu larguei tudo em prol desse meu desejo voraz por pertencer ao Bedi. Se valeu a pena, não sei. Ou soube, anos depois. Nos descaminhos do não-cotidiano, a vida deu uma nova chance para que nos encontrássemos assim, no de-sempre. Eu fazia questão, sem dúvida. Mas o surpreendente foi o fato de que ele passou a fazer mais questão ainda. Nessa época, o tempo escasso que tínhamos juntos era sinal de tentar aproveitá-lo ao máximo. Nossas conversas eram mais compridas e mais densas. Nossos olhares eram mais pesados e mais amigos. A realidade ao nosso redor não era mais tão favorável a tantos risos. Nós dois nos acolhíamos naquele recanto de amizade que encontramos poucas vezes na vida: onde podemos, de fato, nos ser.

Nesse período eu inventei jogos com o destino para saber se travava ou não essa batalha com meu lado calculista. Tentei tornar concreto um amor tão lindamente platônico, mas o implacável destino sempre foi mais forte e mais irônico. Ironias geniais. Em uma festa, nos encontramos e, quando ele saiu para a pista eu somei todas as minhas coragens, olhei para as meninas e disse "É agora, vou atrás dele". No meio do caminho encontrei um amigo que me apresentou um amigo e ... sabem como essas coisas são.... um mês depois eu estava namorando em casa, de aliança e tudo. 

Foi a escolha de ser escolhida pelo destino que me levou a essa mudança brutal de escolhas. Na época, pra mim, era difícil assumir que eu estava tentando com outro, sendo que estive tão próxima e tão tentada a  tentar com o Bedi. Escrevi nossa história e meus amores por ele em inúmeros papéis, cartas, cadernos... nunca entregues. Quando ele descobriu meu novo "status", ficou muito decepcionado. De fato, só fui compreender o quão decepcionado um ano depois, quando o encontrei na rua e a primeira coisa que ele fez foi me atualizar: estava namorando.

Nessa brincadeira, atualizei na minha memória poucos rostos que poderiam estar rolando na minha time line agora também. Rostos. A impressão que fica é que aos poucos eles vão perdendo o sentindo e o charme daquele coração que bate mais forte quando a bolinha fica, enfim, verde. É como cruzar com a pessoa na padaria, mas sem sentir seu cheiro. Aos poucos a sensação vai perdendo força, vai virando uma rotina. Rotina estranha. Hoje, a rotina pode ser simplesmente ignorada. Apesar de verde, do sinal estar verde, eu posso não ir falar com você. Como eu faria  se estivéssemos em uma sala fechada, o ignoraria também? Ficaríamos como dois estranhos mesmo após nossos corações já terem batido tão forte no mínimo sinalzinho de que, na distância, aquela alma se disponibilizava à sua.

Tenho vivido alguns amores nesses últimos anos. Eles ficam verdinhos e disponíveis por um tempo, enchendo meu coração de palpitações estremecedoras. Fico ansiosa por vê-los surgir, não sei de qual buraco virtual, para estar ali, à disposição finalmente. Porém, também já passei pela situação onde o sinal verde deixa de ter qualquer significado. Ou melhor, onde seu sentido se altera. Dói muito essa alteração. É um pedacinho do seu coração que não se encontra mais. Deixar de querer saber o que o verdinho diz. Como um outono, onde as folhas verdes desaparecem... 

E sempre novos verdes retornam. Nosso cotidiano na sala virtual é recheado de rostos que se multiplicam e se cambiam ao sabor do tempo. Sempre estamos à espera de que alguém, na distância, nos leia, nos queira saber... sempre à espera de fazer sentido na vida de um Outro.

Isso tudo porque, hoje, notei que seu rosto não sai da minha barra lateral.

[Criseida]

domingo, 30 de março de 2014

Tallesmente... alguns poemas



Coração filho da puta

às vezes sangra

às vezes muda




de grão em grão

o homem enche

o saco

de ter coração.




......................................................

Ponto de desencontro

_

Você estava por dentro

Eu estava por fora

Ninguém faltou.




O tempo que foi embora.


.........................................................

Tirei meu cavalo da chuva

tá tranquilo, meu amor

ele nunca se molhou.


..........................................................

Alguém,

que não eu

vai tirar a roupa

vai deitar na minha cama

vai abrir-se numa segunda

vai evaporar-se

para sempre.




.........................................................

“Não há amor que chegue”




Quando Ele chega

É apenas corpo, pele, boca, olhos

Depois

Partida

E uns oito quarteirões de ausência




De modo que não há

Não há deus teu
Amor que chegue

Falta água, falta luz
Falta internet, comida
Principalmente amor

Nunca vi esse bicho
Amorquechegue.



.....................................................

Dois Fôlegos

Falar da tua pele
Tua cor
Teu sorriso
Incapturável
Falar de ti:
Inenarrável.

******

Ainda hei de me perder
Nas curvas das tuas idéias
No caminho dos teus acidentes
Eu ainda hei de me perder



.......................................................


que revelem-se
todos os descabimentos:
nem tudo é pele,
mas tudo é poesia.

quem chora e não goza
deve ir-se
embora.


........................................................


Os que partem
carregam um cofre sem chave,
pedaço que não nos cabe
foragido da eternidade.


.........................................................


Eu perco poemas e perco amores
foram-se e ficaram.
Sendo uma,
as cousas,
são várias
vária

acabar é
acabar sendo.


......................................................

Morres
porque nado
no lago da tua ausência.

Estamos dando margens.


.....................................................


Deus é mulher
e se chama brisa.


.................................................



Perturbação


Amar,
assim de verdade
não sei se te amo,
mas que tu me perturbas
perturbas!


Fica impossível não te contemplar
embasbacado.
Por mais que eu procure
não vejo imperfeição.
Amar,
assim de verdade
não sei se te amo
mas que tu me perturbas
perturbas!








[Talles Azigon]

sábado, 29 de março de 2014

Rayuela - 93

Lo que mucha gente llama amar consiste en elegir a una mujer o casarse con ella. La eligen, te lo juro, los he visto. Como si se pudiese eligir el amor, como si no fuera un rayo que te parte los huesos y te deja estaqueado en la mitad del patio.


[Cortázar]
....
O que muita gente chama amar, consiste em escolher uma mulher ou casar-se com ela.  A escolhem, eu juro, já os vi. Como se se pudesse escolher o amor, como se não fosse um raio que parte os ossos e te deixa estaqueado no meio da rua.

[tradução livre]

Viniciando



Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...








[Vinicius de Moraes]

quarta-feira, 26 de março de 2014

Em defesa do amor livre.



Há tempos surgiu, feito fosse novidade, a nova onda de se pensar no amor livre. Quiçá sua gênese remonte aos hippies, quiçá dos ciganos... a questão é que a tendência engloba a naturalização da prática de se amar ao outro, ou melhor, a outros, de modo desvinculado de sistematizações. Logo, se a regra diz que você só consegue amar uma pessoa por vez, normatizado, você só consegue amar um outro do sexo oposto por vez – o resto é canalhice – e a ideia do amor livre surge para demonstrar que o amor não impõe regras ou limitações. Muito menos normatização.

Deveras bacana pensar nisso, na possibilidade de um amor orgânico, sentido, que pode se multiplicar nas esquinas da vida, sem controle ou imposições do tipo: “Mas e o Fulano? Eu prometi a ele amor eterno...”. O amor “eterno” pode ser com Fulano, Beltrano ou Sicrano, simultaneamente, do mesmo modo como podemos amar nosso pai mas, também nossa mãe, nosso irmão mais velho, mas também o mais novo, e assim sucessivamente. Pois, se amamos tantas pessoas no dia-a-dia, por qual motivo escolhemos nos comprometer com apenas uma delas para todo o sempre e achar que este ato é o normal?

Não vou contra a este pensamento. Contudo, sugiro abrir espaço a outro debate. Como funciona o amor preso? É ele também o amor?

A ideia de amor, parênteses: dentro da minha concepção de jovem mulher, com minha pouca – mas acredito que não tão superficial – experiência da vida, das pessoas e das relações; na minha perspectiva, não é possível conceber seu desvinculamento total com a ideia de liberdade, pelo contrário. O amor é um sentimento que não suporta a imposição, o totalitarismo e a hegemonia de poder. Ele é construído na liberdade e apenas sobrevive se ela, paralelamente, viver. Como se a liberdade, então, fosse o próprio composto que possibilitasse uma vida do amor na terra, como é o ar aos nossos pulmões. Amor, a gente escolhe, por mais que ele cresça nas beiradas de nossos quereres.

O amor é livre desde que o poeta escolheu ir até o Inferno para encontrar Beatriz; desde que Dulcinéia era a mulher mais bela e doce para seu nobre cavalheiro, mesmo havendo tantas outras que competissem com sua figura. É a liberdade de escolher estar próximo ao amor proibido de Riobaldo para esconder o segredo de sua inocência. Amor é livre por se estender na palha como a pomba branca abocanhada pelos desejos de André. Não foi a tentativa de aprisionar que levou Romeu a tomar o veneno: foi, inclusive, seu oposto – encontrar uma liberdade mais ampla que a própria vida, que fora tomada pelas desafortunadas formalizações e normalizações sociais. O amor não é social. O amor não é um constructo social que se compre, se vende e se filie. Este amor, comercializado, cuja figura se transfigura no tempo, no contexto e nos interesses dessas distintas sociedades, na realidade, não é o amor. Aquele que ama se satisfaz em fazer o outro feliz, mesmo que isso signifique em consentir sua ausência. Amar é ser um pássaro que pode voar por todos os céus, mas escolhe pousar na árvore ao lado daquele outro pássaro amigo. Algumas vezes é necessário que os dois voem e saiam em viagens por direções distintas, inclusive para que a volta seja símbolo desta possibilidade de existência do amor dentro do que é livre. O ir e vir dentro do amor é o que o fortifica. É sempre poder escolher ir, mas decidir ficar.

O que eu defendo, portanto, é que esta história de amor livre é antiga. Passando pelas musas e pelas camponesas, o belo do amor é justamente a liberdade que temos em escolher se queremos voar ou apenas permanecer ao lado daquele que nos inspira. Inspira e Transpira. Aquele que faz transcender ao corpo e exige que nossa alma repouse ao lado do amigo, no alívio de reencontro antecipadamente desenhado, mas sem as linhas conclusas e o fechamento de uma moldura. O amor só pode sê-lo em liberdade. Que amor há nos algures de uma algema?

Nesse sentido, minha pergunta volta para a questão do clichê, numa pergunta que simboliza um retrocesso desse processo tão novo quanto andar para frente, que é a ideia de um amor livre: é possível o amor entre dois – e só dois – indivíduos? É possível que se bastem, se encontrem e se desejem deste modo livre, deste modo amável, onde a vontade de estar ao lado seja fruto de um querer livre de subordinações religiosas, sociais, regimentarias?

Não consigo conceber que a resposta seja “não, não há como”. Parece-me que ser o que está ditado é seguir uma filosofia que é sempre a mais interessante: você deve seguir o amor livre, Cristiane, ame pessoas, não gêneros, ame muito, mais amor por favor, amor em várias instâncias.

Esse plano “ditado” me parece tão superficial quanto o conceber o amor apenas entre homem e mulher, mas, normatizado em outra instância, desta feita, dentro de uma concepção de que a norma é a ausência da própria norma: todo mundo é de todo mundo.

Tal quadro de mudança na sociedade só me faz pensar nas ideias de Foucault... e, então pensar que, no sistema de disciplinarização dos sujeitos, talvez eu me coloque como peça transgressora... talvez eu esteja tentando encontrar as brechas que possibilitam uma revolução. Uma revolução sobre o amor! Sem exageros agora, não acho que o amor livre, de fato, se tornou um modelo rígido conforme se outorga, até os dias atuais, o amor heteronormativo. Não. Acho que existem forças muito resistentes dentro da cultura enraizada da heternormatividade e acredito que há muita confusão dentro da configuração deste perfil que Bauman chamaria de sociedade líquida. Nossas escolhas são de tal modo liquefeitas, estamos presentes em tantos “papéis” sociais, estabelecemos tantas identidades, identificamo-nos com tantos e diversos grupos que, quando paramos para pensar na colcha de retalhos que nos constitui, o desolamento nos deixa perdidos.

Talvez, e só talvez, a nova velha ideia de um amor livre E plural esteja em voga neste sentido de nova cultura do amor. A pluralidade em todas as nossas relações é o que nos conforta. A possibilidade de não estarmos filiados, nos guia. A questão do pertencimento já não se enquadra na sociedade pós-moderna que vivenciamos atualmente.

Nesta perspectiva, eu seria uma transcendental a partir do meu lado todo retrô. Pois, apesar da liberdade de existência, o amor para mim simboliza esta atitude de pertencimento. De ponto de encontro, de equilíbrio, de entrega. Para mim, nesta breve vida, descobri que o amor só existe se eu conto com braços amigos esperando que eu me jogue. Dai, então, eu me jogo. E há movimento mais livre do que o jogar-se? Livrar-se de todas as amarras que deixam seus pés no chão, que o inundam de materialidade e de encucamentos diários. Jogar-se, nos braços de outrem, é possibilitar que o amor seja o dono deste pertencimento, da entrega.

Já a entrega não significa dar ao outro seu destino, suas escolhas, seus caminhos. É escolher, optar, ser livre para, querer dividir, com outro, aquilo que o constitui. O que há de mais seu.

E o amor, então, é livre?

Sim, totalmente livre. Mesmo que embaixo dos lençóis do coração só haja espaço para dois.





[C.B.O.]

terça-feira, 25 de março de 2014

Em suma

para ser sucinta:
esquecer é apagar todas as lembranças.

Mas há aquelas, como diria Machado, que são da família das moscas teimosas... insistem em pousar novamente.

[criseida]

domingo, 23 de março de 2014

Domingo



Veja, meu bem
Que hoje é domingo
Domingo eu não choro
Domingo eu não sofro
Domingo eu sou de paz
E alegria
Tristeza, hoje eu não estou
Saudade, volte outro dia
Domingo eu não sou boa
Companhia

Se o amor quer me deixar
Me deixe num domingo
Eu não vou reclamar
E posso até achar
Que ficar só é lindo

Domingo a minha vida é o circo
Eu sou a trapezista
Alguém avise à dor
Que não insista

Tristeza, hoje eu não estou
Saudade, volte outro dia
Domingo eu não sou boa
Companhia

Se o amor quer me deixar
Me deixe num domingo
Eu não vou reclamar
E posso até achar
Que ficar só é lindo

Domingo a minha vida é o circo
Eu sou a trapezista
Alguém avise à dor
Que não insista.

[Maria Bethânia]

Um novo de novo

Pinto minhas palavras.
Mais uma vez é outono e pinto minhas palavras.
Desta vez você passa por minhas memórias, mas não é fonte de inspiração.
O que o tempo fez dos nós?

Mais uma vez eu estou sentada, desenhando minhas palavras no papel de meu destino. Feito tola adolescente, pinto as minhas palavras com a inocência de quem quer conhecer o que há por vir, o que ainda não veio, o que, talvez, nem chegue a vir. Pinto palavras como quem profere a canção preferida sem medo de destiná-la à alguém que faça questão de quebrar todas as suas notas ao final.

Essa inocência é tolice, já que eu escrevo sobre sua existência. Tola, esqueço que a arte de desenhar sobre palavras é a arte do não pensar... o desenho sobre as letras é o flutuar da memória buscando os traços tão queridos e tão distantes, a quem se destinam aqueles meros escritos.

Não recomecei a desenhar sobre minhas palavras hoje. Há dias já o havia feito. Mas só hoje, no processo de re-desenho, re-colorir, percebi que minha vida se re-coloria assim também. De fato, os fatos são sempre novos. Mas há toda essa memória que faz com que eu lembre que, em minha vida, outras palavras foram coloridas.

Sinto sua falta de um modo poético, quase transcendental. É um modo de saber que, em meu coração, sua lembrança é de um colorido apagado, mas presente, como uma boa, porém velha, fotografia no álbum da vida. Sinto mais sua falta pelo modo como faltam e faltaram as palavras de carinho que brindam e brincam nas dedicatórias de um livro pronto, terminado, enfim, acabado. Mas essa falta não é dor, é esse sorriso vazio e fácil, que chega e se vai.

Junto minhas aquarelas, minhas querelas e minhas palavras.
Num barco flutuante, sem destino, sem encontro, sem estar presa em quaisquer âncoras, me vou.
Do modo leve como a água permite.
Levo comigo um livro de páginas riscadas, coloridas, amassadas, rasgadas, reconstruídas: vividas.

te deixo um beijo, meu querido. E me vou.

[criseida]

quinta-feira, 20 de março de 2014

Por que foi que eu precisei de encontrar aquele Menino?

Mas eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu não tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. Porque ele falava sem mudança, nem intenção, sem sobêjo de esforço, fazia de conversar uma conversinha adulta e antiga. Fui recebendo em mim um desejo de que ele não fosse mais embora, mas ficasse, sobre as horas, e assim como estava sendo, sem parolagem miúda, sem brincadeira - só meu companheiro amigo desconhecido.
(...)
Mesmo com a pouca idade que era a minha, percebi que, de me ver tremido todo assim, o menino tirava aumento para sua coragem. Mas eu aguentei o aque do olhar dele. Aqueles olhos então foram ficando bons, retomando brilho. E o menino pôs a mão na minha. Encostava e ficava fazendo parte melhor da minha pele, no profundo, désse a minhas carnes alguma coisa. Era uma mão branca, com os dedos dela delicados. - "Você também é animoso..." - me disse. Amanheci minha aurora. Mas a vergonha que eu sentia agora era de outra qualidade.


[guimarães rosa. Grande sertão: veredas]

Sem palavras

Elas me traem.
Na boca, ainda o gosto da dor pelo que se foi. Assim, oca, o sentimento de partida sempre nos transborda de um vazio muito maior do que o que nos constitui de fato.
Transpassada por este oco, lembranças me levam ao que de fato construiu nossa relação.
Maior do que com muito humanos, foi você que esteve comigo na virada deste ano.
Deitadas no chão do meu quarto, você tremia de medo e eu chorava, segurando sua pata.

Dói saber que no próximo ano eu possa deitar sozinha naquele mesmo chão, esperando que os fogos de artifício se acalmem, esperando que minha vida mude.

Seu olhar mora dentro de mim, mi Estrellazita...

Antes de você ir para outros céus, recebi a visita inusitada de uma companheira sua, a qual você morria de raiva e eu jurava que seriam inimigas inclusive em outra vida. Ela veio nos meus sonhos e, nele, morreu por uma segunda vez. Talvez tenha sido um  presságio de que as coisas ai, no seu de-dentro, não iam tão bem. Soube que  você chorou por toda a noite.
Ontem eu chorei por toda a noite também.

Pena que, desta feita, nossos laços estavam tão distantes. Minha mão e sua pata não voltarão a se encontrar. Nem nossos olhos. Nem mais sentirei seu abraço, colocando seu longo corpo apoiado em meus ombros. Esses meus ombros que não suportam o mundo, sequer suportam saber a sua ausência.

Eu, Estrela, que não suporto a morte.

Ainda estou triste, bem triste. Muito triste, aliás. Feliz, apenas, por saber que sua vida aqui na Terra já não estava mais tão agradável assim. Como diz uma grande autora que eu admiro, às vezes quem morre está muito cansado, às vezes quem morre precisa muito. É um consolo.

Espero que me perdoe por estar tão distante quando estive ai na minha última viagem. Eu fugi de você, eu sei. Nem sequer me despedi, como costumeiramente. Mas estava tentando aprender a lidar com sua ausência, já premeditada.

Mas hoje me entristeço mais ainda por isso. Por ter sido fraca, por não ter feito, por me arrepender do que não fiz, entende?

Eu te amo muito, mi estrellazita... brilhe no céu dos cachorrinhos por mim. Brilhe como seus olhos esverdeados e sua mancha estelar faziam aqui, perto de mim, no quintal de minha mãe. Brilhe porque no céu há muitos preás para você caçar. Há muito mato para você correr. Não haverá dor, minha Menina. E lá, com certeza agora digo, estará a Laika te esperando para que finalmente vocês sejam amigas. A presença dela em meu sonho, quiçá, tenha sido para aliviar essa dor aqui no de dentro.

Para onde vão os nossos mortos?

Com amor,

Kika.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Meu discurso luta

.

Como a língua disforma
A forma do som
que meu de-dentro toca.

Transformada em outra vista
A língua se homogeniza
Automática
Desfaz os excedentes do sentir.

Sem revisão dos quereres
A racionalidade técnica
Da minha linguagem
Exige que eu enxugue
Também aquilo
Que meus olhos ainda lutam contra.

Teimosos na manutenção
Desta cultura,
De reconstrução,
Trabalhada em inúmeros 
elementos
que ampliam,
como os ponteiros relojeiros,
a heterogeneidade
dos meus 
sentires
por 
você.


[a marinheira]

segunda-feira, 17 de março de 2014

Formiguinha

.



Guardei meu coração no teu pote de açúcar.

[c.b.o.]

domingo, 16 de março de 2014

Vossa majestade, a lua.


Ruas que se encontram
nos desencontros
de ruas sem fim.
Nos descaminhos do acaso
o sim,
o não,
o agora,
mudam o percurso da  rotina.

Nesta travessia encontro você
Nua
Deliciosamente nua
Pousando feito uma estaca de prata
diretamente
em
meu
coração.

Jogada à seu brilho
deito-me nua também
nas águas de um sal vadio
Que,
como eu,
deleita-se com vossa majestade.

Nas águas iluminadas por sua indescritível cisão
Sinto-me impelida a despir-me de tudo
de todos
de qualquer caminho de desventura
de qualquer pensamento
olhar para vós
e me deixar tragar,
como a última ponta de um último cigarro:
duramente,
plenamente,
na ânsia do que morre, mas ainda quer viver o último suspiro.

Estou deitada em sua luz
Prescrutada em sua quentura
Dentro de mim,
o líquido quente e salgado de águas por você viciada.
As estrelas contemplam esse coito transcendental.

Sou tua,
nua
enquanto, exausta, deito-me na areia.

Mas sua forma redonda e gigante  ainda me procura
ainda me instiga
ainda me faz algoz de sua potencia,

e deliciosamente,
cedo aos seus convites.

No correr das horas,
impelida por suas vontades
vassala de suas ganas infindas
vejo-a partir....
Majestosa, dourada, linda.

Eu, ainda, amiga de seus prazeres,
enfureço-me contra tamanha grandeza
Grandeza egoísta de sentidos
que me levou
nua
e só
ao reencontro com o Mundo.


[cbo]



quarta-feira, 12 de março de 2014

Um sopro.

O dia hoje está daquele jeito. Não o dia, os dias. Mas há tanta esperança residindo dentro de mim que às vezes acredito que é uma forma de me auto iludir para sentir menos as perdas e dores.
Dai então, um  gênio como o atual presidente uruguaio, Pepe Mujica, em uma entrevista que toca em tantos pontos cruciais dentro da sociedade, política e forma de vida moderna, me presenteia com uma frase que toca profundamente nesses meus dias.

Eis,

"No tengo certidumbre de que me vayan a dar un poco de pelota, pero a los jóvenes de hoy quiero decirles que las personas aprendemos mucho más del fracaso y del dolor que de la bonanza."

In: http://www.elpuercoespin.com.ar/2013/12/30/uruguay-mujica-basico-o-como-convivir-con-todo-aquello-que-se-detesta-por-antoni-traveria/

segunda-feira, 10 de março de 2014

Confissões de Marinheiro

Não, nem tudo que escrevo deveria ser lido. Nem por alguém de fora do meu eu, nem sequer por mim.
Porque o que escrevo, muitas vezes, deixa de ser eu para ser reflexo de um domínio substituto de minha consciência. Uma força outra que tira a capacidade de sentir e raciocinar como uma simples C. e passa a vigorar com normas e registros vigentes de uma nova espécie que se apossa de mim.

Ninguém deve ser obrigado a me ler, nem eu.
Algumas vezes eu paro de escrever e não tenho coragem de retornar à palavra escrita, com medo de saber a identidade desse meu alter ego.

Sim, escrever é um processo de usurpação mental.

Na escrita, outros eus prevalecem, aquiescendo sentimentos, demonstrando emoções, gerando problemáticas e pressentindo ilusões que eu, assim, de olhos abertos ao dia, não poderia ao menos supor.

Os dias estão passando, rápido. O meu passado atrás sempre se coloca à frente das minhas palavras.
Num futuro perturbador.

Viva aos outros!


[Criseida]

sexta-feira, 7 de março de 2014

Descoberta......

Então isso era a felicidade? De início se sentiu vazia (...). E o que é que se faz quando se fica feliz? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda que já está começando a me doer como uma angústia e como um grande silêncio? A quem dou minha felicidade que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta?


Clarice Lispector.






Tropeços, no meio do caminho havia...

...
Sim, não prometi.
Contudo, permanece uma puta autosacanagem comigo mesma não ter segurado nem uma semaninha sem falar do tal do amor. Sem pensar no tal do amor.

Só porque, justo quando resolvo assumir uma posição sentimentalmente neutra, surge alguém que quer ouvir sobre meus amores, sobre minhas definições, sobre os de-dentro.

Não há mais como fazer promessas, no meio do caminho as pedras sempre surgem.

E dizem que o destino somo nós que fazemos: então como se responde a estes acontecimentos?

Sim, poderia eu não falar apesar de.
Só que são os "apesar de" que constroem as alegrias da vida da gente.


Sigo.
Não mais tento.

Prometo apenas não mais novas promessas tão impossíveis.


quarta-feira, 5 de março de 2014

Sobre o Amor.



Amor vem de amor. Vem de longe, vem no escuro, brota que nem mato que dispensa cuidado e cresce com a mais remota chuva. Vem de dentro e fundo e com urgência. Amor vem de amor. Que não cabe, mas assim mesmo a gente guarda. A gente empurra, dobra, faz força, deixa amassado num canto, no peito, no escuro, dentro, ou larga pegando sereno. Amor vem de amor. Vem do pedaço mais feio, do mais sem palavra, do triste, vem de mãos estendidas. É tecido desfeito pelo tempo, amarelecido pelo tempo, pelo cheiro da gaveta fechada, pelo riscado do sol na madeira. Amor vem de amor. Vem de coisa que arrebata, vira chão, terra, cisco, resto, rastro, coisa para sempre varrida. É delicadeza viva forte violenta. Que faz doer, partir, deixar caído. Amor vem de amor. E dói bonito.

Gs:v





.


...Escolhi este trecho para falar de amor. Não do amor, assim, definido, a definir, ditado, lido, riscado, prostrado frente a nós. O que quero falar é sobre não querer mais falar sobre o amor.


A ideia de como eu falo insistentemente sobre o amor, sobre meus sentires, sobre a ausência dos sentimentos e, em contrapartida, deixo de discorrer sobre outros tão importantes fatos, acertados assuntos, tem me perseguido há tempos.

Como posso eu permitir que a minha escrita fique girando nesse grande círculo vicioso dos sentimentos, quando me perco no caleidoscópio de viveres que me aplacam, me adoecem, me deixam no limbo.


Eu quero viver todos os sentimentos que escrevo, que transcrevo.


Entretanto, largada tanto tempo à escrever, ouvir e suspirar por esses amores, vejo minha vida deslizar cada vez mais ausente deste sentimento. Ontem, ao ouvir novamente sobre como o tempo passa e, junto com ele, nossas agendas ficam tão ocupadas como o nosso coração, que não deixa mais espaço para as coisas acontecerem, fiquei pensando que talvez seja um processo do qual eu não possa escapar.


Mas então, se não há escape, por qual motivo me recolho escrevendo e pensando tanto no amor que há de vir. No amor que veio e se foi. No amor como um sentimento abstrato que flutua no mundo?


Deveria perder minhas horas escrevendo sobre o que de fato é concreto. Sobre a triste situação da cultura em nosso país, sobre o descaso dos governos com seus cidadãos, sobre a desumanização tão em voga nos dias atuais.


Tudo isso transpassa meu dia, faz parte de meus estudos, perpassa questões dentro de mim o tempo todo.


No entanto, pouco tempo dedico a esses questionamentos assim, do modo escrito. Melhor: do modo escrito em seu tempo informal.


Sou sempre sentimentalizando a vida. As promessas. Os amores que eu não vivo. A augura de meus vazios.


Sim, o tempo não tem me permitido evoluir.

Quero parar de falar deste tal de amor.


(mas não prometo...)


C.B.O.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Abreuzar



"Então delete, tudo aquilo que não valeu a pena. Quem mentiu, quem enganou seu coração, quem teve inveja, quem tentou destruir você, quem usou máscaras, quem te magoou, quem te usou e nunca chegou a saber quem realmente você é."


''Acorde garota! Você é linda, inteligente, tem um ótimo perfume e seus olhos brilham mais que um punhado de purpurina. Por que chorar? Perdeu em alguma esquina seu encanto?! Ninguém pode tirar de você seu mais belo sorriso, motivo de idas e vindas saltitantes. Coloque sua música favorita para tocar, respire fundo e faça o que de melhor sabe fazer: ser você.''



Caio Fernando Abreu