segunda-feira, 31 de março de 2014

Luz, câmera: mutação!

No de repente, seu rosto começa a aparecer dentro do meu cotidiano. Procuro em meus desvios no tempo compreender como essa inserção se dava entre os casais há uns 20 anos atrás. Ou quinze. Há 15 anos atrás eu não era casal de ninguém, mas já me via suspirando algumas vezes, chorando pelos amores impossíveis e inventando grandes estórias e maravilhosos finais felizes.

Minto, eu sempre imagino grandes estórias e fins. Finais trágicos de todos os motes: mortes, traição, angústia.
Meu lado elaborativo criativo inconsciente tem um pé fincado nos filmes de terror. São atropelamentos, assaltos, desastres naturais, choro, sangue, lágrimas, dor... E sempre bolando uma maneira nova de sair dessas situações de risco (dramáticas) de uma forma que signifique: "me quebrei, mas saberei me reconstruir".

Pois é, meu cotidiano, minhas invencionices,seu rosto.

Há  quinze anos atrás as pessoas deveriam se apaixonar por pessoas que não estavam ali ao lado o tempo todo. Por isso haviam os passeios. Por isso,  uma vez eu procurei o endereço de um paquera na lista telefônica e, junto a uma amiga, seguimos o mapa da cidade para descobrir onde ele vivia, quem ele via todos os dias. Coisas de um "stalker" nada virtual, feita de paixão, loucura e suor.

Houve uma vez que mudaram o meu "amor platônico" de período na escola. Eu, como devem supor, quase morri. Chorei muito, muitos dias. Mas então, para compensar a perda, passei a ir mais cedo para o colégio. Que importa que as aulas começavam 12h30 e eu chegasse na escola uma hora antes? Sim, eu o buscava entre as centenas de crianças que saiam. Nos dias de sorte, ele me via, vinha me dar um abraço, falar um oi. Alguns anos depois, em um evento da cidade, depois de anos sem ir mais cedo para a escola, eu o vi. Nossos olhos se encontraram na multidão e eu lembro com clareza de haver escrito justamente essa frase sobre esse encontro. Se encontraram, mas sem se reconhecer. Triste isso, não? Tantas lágrimas dedicadas a um amor que, (agora) poucos anos depois, nem mais lhe reconhece como a amiga. 

E também havia o Bedi. Apelidinho secreto que dei a um grande amigo que tive e, também, um amor platônico. Por isso precisei renomeá-lo. O caso com o Bedi é algo que transcende minha compreensão no mundo dos amores. Foram tantos suspiros, tanta novela... e nunca houve nada, nadinha, nem um beijo roubado de supetão. É essa minha timidez calculista. Clarice Lispector costumava dizer que era tímida, mas uma tímida corajosa, por isso fazia as coisas que só os tímidos corajosos compreenderiam como e porquê. Eu muito tempo me senti tímida e corajosa, como ela. Mas, talvez, seja eu apenas uma tímida e calculista, brecando a todo o momento para não errar, para não me expor, para não falhar, para não falar...

O cotidiano com o Bedi durou alguns anos. Lado a lado sempre, ríamos, era divertido. Tínhamos  também nossas conversas com seriedade, pensando no mundo, pensando em melhorar o mundo. Contudo, apenas quando o cotidiano  terminou é que a coragem de tentar ficar mais perto bateu à porta. Nessa época eu morava já em outra cidade, eu namorava outros rapazes, e não só uma vez eu larguei tudo em prol desse meu desejo voraz por pertencer ao Bedi. Se valeu a pena, não sei. Ou soube, anos depois. Nos descaminhos do não-cotidiano, a vida deu uma nova chance para que nos encontrássemos assim, no de-sempre. Eu fazia questão, sem dúvida. Mas o surpreendente foi o fato de que ele passou a fazer mais questão ainda. Nessa época, o tempo escasso que tínhamos juntos era sinal de tentar aproveitá-lo ao máximo. Nossas conversas eram mais compridas e mais densas. Nossos olhares eram mais pesados e mais amigos. A realidade ao nosso redor não era mais tão favorável a tantos risos. Nós dois nos acolhíamos naquele recanto de amizade que encontramos poucas vezes na vida: onde podemos, de fato, nos ser.

Nesse período eu inventei jogos com o destino para saber se travava ou não essa batalha com meu lado calculista. Tentei tornar concreto um amor tão lindamente platônico, mas o implacável destino sempre foi mais forte e mais irônico. Ironias geniais. Em uma festa, nos encontramos e, quando ele saiu para a pista eu somei todas as minhas coragens, olhei para as meninas e disse "É agora, vou atrás dele". No meio do caminho encontrei um amigo que me apresentou um amigo e ... sabem como essas coisas são.... um mês depois eu estava namorando em casa, de aliança e tudo. 

Foi a escolha de ser escolhida pelo destino que me levou a essa mudança brutal de escolhas. Na época, pra mim, era difícil assumir que eu estava tentando com outro, sendo que estive tão próxima e tão tentada a  tentar com o Bedi. Escrevi nossa história e meus amores por ele em inúmeros papéis, cartas, cadernos... nunca entregues. Quando ele descobriu meu novo "status", ficou muito decepcionado. De fato, só fui compreender o quão decepcionado um ano depois, quando o encontrei na rua e a primeira coisa que ele fez foi me atualizar: estava namorando.

Nessa brincadeira, atualizei na minha memória poucos rostos que poderiam estar rolando na minha time line agora também. Rostos. A impressão que fica é que aos poucos eles vão perdendo o sentindo e o charme daquele coração que bate mais forte quando a bolinha fica, enfim, verde. É como cruzar com a pessoa na padaria, mas sem sentir seu cheiro. Aos poucos a sensação vai perdendo força, vai virando uma rotina. Rotina estranha. Hoje, a rotina pode ser simplesmente ignorada. Apesar de verde, do sinal estar verde, eu posso não ir falar com você. Como eu faria  se estivéssemos em uma sala fechada, o ignoraria também? Ficaríamos como dois estranhos mesmo após nossos corações já terem batido tão forte no mínimo sinalzinho de que, na distância, aquela alma se disponibilizava à sua.

Tenho vivido alguns amores nesses últimos anos. Eles ficam verdinhos e disponíveis por um tempo, enchendo meu coração de palpitações estremecedoras. Fico ansiosa por vê-los surgir, não sei de qual buraco virtual, para estar ali, à disposição finalmente. Porém, também já passei pela situação onde o sinal verde deixa de ter qualquer significado. Ou melhor, onde seu sentido se altera. Dói muito essa alteração. É um pedacinho do seu coração que não se encontra mais. Deixar de querer saber o que o verdinho diz. Como um outono, onde as folhas verdes desaparecem... 

E sempre novos verdes retornam. Nosso cotidiano na sala virtual é recheado de rostos que se multiplicam e se cambiam ao sabor do tempo. Sempre estamos à espera de que alguém, na distância, nos leia, nos queira saber... sempre à espera de fazer sentido na vida de um Outro.

Isso tudo porque, hoje, notei que seu rosto não sai da minha barra lateral.

[Criseida]

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