domingo, 27 de abril de 2014

Contabilidade

Nalgum lugar do universo, deve haver uma lista de pontos negativos e positivos que vamos acumulando ao longo do caminho.
Caminho.

Gosto de pensar na passagem do tempo como um caminho, pois o caminho é aquele pedaço de terra que nos leva a algum lugar. Independente do caminho, sempre seremos limitados. Limitamos nossa visão, pois, durante a viagem, não conseguimos olhar os dois lados do caminho ao mesmo tempo. Ou olhamos a frente, ou um do lados, ou passamos pelo caminho sempre olhando para trás. De toda forma, saber que o caminho nos leva a algum lugar ainda não significa saber qual lugar é este, muito menos se o que nos espera, neste novo, é o que pensávamos merecer, o que sonhávamos durante todo o percurso.
Assim, ao longo do caminho, vamos acumulando ações. Vamos construindo o caminho, ao mesmo tempo em que o caminho nos constrói. É de impressionar a capacidade de engenheiro que carregamos em nossas veias e como somos cegos para tamanho conhecimento. Alguns, ao fim do caminho, descobrem-se graduados em engenharia civil da vida; outros, nunca terão ciência desse conhecimento amplo que possuem.
Sobre os pontos que vamos acumulando, estou certa de que há um processo administrativo deveras sofisticado que some, subtraia e gerencie os resultados dessa equação na vida de cada um. É certo: tem que existir! 
Há, no espaço, alguém que soma minhas angústias e minhas alegrias; que decida pelo momento em que eu, no meio do caminho, deva receber as felicidades ou derramar as lágrimas de tristeza. Tenho sentido isto, tenho sabido isto. Pois, durante o caminho, questionei, tantas e quantas vezes, sobre o merecimento em determinados trechos de construção. Dói, não é mesmo? A solidão dói. Às vezes é de uma necessidade quase física, mas sempre é um processo de dor. A solidão não no sentido de escolher ficar só, mas na sensação do abandono, do desenlace. Nunca escolhemos ou desejamos ser abandonados no caminho. Nosso desejo vibra para que encontremos um fim junto às pessoas que tanto vamos amando na caminhada. Mas, nem sempre é assim. E o sofrimento que faz com que o joão-de-barro trancafie sua amada na casa, após a traição, é o mesmo que nos faz continuar andando. O joão-de-barro  nunca se mudaria de lá se as coisas permanecessem no estado de equilíbrio.
E nós, o que faríamos no estado de equilíbrio?
O equilíbrio não requer novidades, não exige movimento, não precisa de criatividade para se manter. Ele, por ele, já está no plano do acabado. Não há acabamento extra que se necessite, nem uma nova lâmpada, nem ao menos um azulejo trincado. Entende? Por esse motivo, talvez, a dor seja o prato principal para a arte. Nesta refeição, a arte se lambuza, se extrapola, se refaz. A dor como parte inseparável da criatividade de existir.
Acredito eu que os momentos de dor devam fazer parte do caminhar. Algumas das vezes nós suportamos esta realidade com aceitação quieta, pois sabemos que outro caminho não há. Mas, outras realidades de dor, entretanto, nos jogam longe, tão longe, que pensamos, aí, que nunca mais voltaremos a ver o caminho que nos levava. 
Nunca escolheríamos por este tipo da dor. Não saberíamos ter a sabedoria para escolher em qual momento do caminho estaríamos mais forte para receber estas pancadas, então, procrastinaríamos a dor que nos fará artesões do destino. A dor constitutiva da arte. A dor, caminho de refeitura. A dor, processo. Diante deste motivo, creio que há alguém que faça os cálculos por nós. Alguém com precisão matemática, que compreenda o tamanho das nossas angústias e calcule a área de criatividade que poderemos alcançar naquele determinado momento de dor.
Há.

Eu acordei muito triste neste ano. Uma tristeza de doer fisicamente. Rara. Algumas tristezas só atingem a alma e nada além. Não se esboçam na carcaça que se espreita no caminho. Contudo, apesar desse pontapé inicial tão dificultoso, tenho descoberto em mim uma força incomum, uma espécie de amadurecimento do viver. Que me faz sentir estranha para mim mesma, mas me faz bem. Ao certo, não posso precisar quantos momentos, ao longo destes quatro meses, que tive a sensação de que um abismo se abriria ao longo do meu caminhar. Foram algumas. E outras já houvera ocorrido em diferentes momentos desse meu existir. Não era novo. Porém, o que resultou desta sensação me surpreendeu como se eu fosse outra em mim. Tenho me superado. E dai, quando me acerca a sensação de solidão, do "só-entre-os-demais" de Cortázar, sinto que uma onda benfazeja ilumina meu caminho. Tenho atraído pessoas. Boas pessoas. Pelo menos creio que pessoas que se atraem por sorrisos são boas pessoas. Espero sempre crer nisso. Essas novas pessoas querem saber quem é que eu sou por trás dos óculos e dos olhos vivos, do sorriso cheio de dentes e da leveza de espírito. Eu, que sempre me julguei cheia de pesos! De todo modo, tenho atraído. Mas não é fácil manter. Não é fácil manter perto dos olhos se não há amor, como me diz sempre Joãozito. E sinto como uma verdade que é muito difícil me amar. Simplesmente porque eu não me permito, em algumas vezes. Outras, porque eu me permito demais e mostro ao outro todo peso que trago e que, se meus olhos brilham e se meu sorriso se mantêm, é porque eu já aprendi que eles devem estar ali para que eu permaneça no caminho, para que eu tenha forças para caminhar. Então, meus instrumentos de impulso se tornam instrumentos socializados, e o outro sente em mim a vibração para que seu caminhar seja feito. Mas, não contente, tenta descobrir quem sou eu e, ai, tudo se perde.
Ainda espero alguém que não se perca.
Nos pontos que estão sendo somados, espero que logo chegue o momento de que a média do amor se faça para mim. Preciso do amor. Alimentar este sorriso e esse olhar tem sido um parto cotidiano. Mesmo que forças venham de fontes impensáveis, que façam com que eu, uma gota d'água no oceano, seja, enfim, uma gota d'água que o oceano gosta de saber que pertence a si, que faz parte dele. Amigos. Amores.


[cbo]

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Bragamores



E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito —depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.
Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.
Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.
A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.


[Rubem Braga]

Doçuras



            Como são doces os sabores dos primeiros amores. Inundada por uma nostalgia mágica que ocorreu no reencontro com meu velho diário, me peguei relendo cartas e cartões de um dos meus primeiros namoradinhos. Que doce, quanto amor que eu deixei para trás. Naquela época eu não sabia viver o amor. Ou é o contrário? Naquela época eu me entreguei a um namoro que me fez muito bem por muito pouco tempo, tempo suficiente para que eu o abortasse. Eu sempre fazia isso. Havia uma paixão platônica que me segurava pelo calcanhar e não deixava que eu me arriscasse, pulando o penhasco. Mas era doce. Viver às margens de uma alegria saudável, resplandecente, de alguém que te quer bem e saber-se uma pessoa, então, memorável. Estou certa de que sou memorável a este meu querido namoradinho de outrora.

           Nestes últimos dias estive mastigando esta ideia de não ser memorável, apaixonável. Sinto que muitas vezes sou até apaixonante, cativante, simpática, mas não sou o tipo de pessoa “para a vida”. Sou passageira. Os homens que olham nos meus olhos não querem tocar minha alma. As amizades me tocam e se vão. Algumas voltam, outras, sempre voltam. Outras ainda, não voltam nunca mais.

           E fico aqui deste lado pensando em como guardo nomes, como guardo datas, como guardo sentimentos tão vários por pessoas que nem sequer devem lembrar a minha existência. Gostaria que um dia passasse na memória delas o meu rosto e surgisse a pergunta “O que será da Cris hoje em dia?”. Uma bela pergunta.

           Foi o que me perguntei ao reler as palavras de alguém que me amou um dia. Talvez ele nem soubesse também o que era o amor naquela época. Ou talvez o amor não fosse um jogo ainda, para nós, mas uma coisa doce que um dia acaba e ficamos tristes, mas diante da qual sempre sobrevivemos. Depois, o amor vai adquirindo novas formas com o tempo. Novas entregas, novos estratagemas, novas maneiras de demonstrar o que se sente – e não mais demonstrar também –, e de estar junto. Gostaria de um pouco da doçura de meus primeiros amores. De que alguma alma próxima me dissesse o quanto minha presença irradia luz entre os outros, ou de como sua vida mudou quando me conheceu. Não, não é egoísmo. Isso é um sentimento do mundo dos amores adultos. É uma sensação outra, capaz de fazer com que a vida, por alguns minutos, se torne, de fato, um conto de fadas.



[C.b.o. – 22/4/2014]

Aceita uma xícara de café?


          Quando abrimos nossa casa para as possibilidades, torna-se viável que, em algumas xícaras, caia uma dose maior de torrões de açúcar do que estávamos devidamente acostumados. Noutras, porém, amargo é o gosto da vida. O café é preciso ser feito com muito carinho, para que agrade nossas visitas. Entretanto, eu não sei fazer café. Logo, ainda não sei receber visitas do modo ideal. Como convidá-los para uma xícara de café e assumir que não domino ainda tal técnica? Será possível que uma relação de cumplicidade se estabeleça dentro dessa íntima confissão?
         Deixar o outro ciente de minha falha parece expor demais os elementos que me constituem e, para essa exposição, há de existir uma curadoria de força que assuma este produto chamado eu. Porém, a pergunta que ressalta é se, nesse meio, estarei pronta para que meu eu se revele totalmente entre as xícaras e os pires e os bules? No filtro que coa o café, haverá a força que torna o dia produtivo ou a fraqueza do chá que nos amolece as angústias?
        Aquele que aceitar tomar, comigo, uma xícara de café, por mim produzido, deve estar, de antemão, consciente de quem eu sou ou me descobrir?
         No primeiro gole ele me saberá. Meu café revela minhas doces amarguras? Meu gosto é exalado no ar que sobe das xícaras de minha casa.
         É preciso o tintilar de duas xícaras para que o café e toda a sua unidade quente e escura reúna duas vidas.
         Ao final, preciso, de fato, me permitir, deixar-me ser. Criar a coragem infinita de ser a cozinheira que fervilha a água e coa o café para as visitas. Preciso permitir adoçar cada xícara  com uma dose de minhas doçuras.
         Terei eu esse chapéu de chefe em uma futura cozinha?


         Eis meu café: Servido?


[C.B.O.]

terça-feira, 22 de abril de 2014

No meio de mim, no meio da ponte.








             O contato interior é um bem precioso e necessário, o único capaz de estabelecer em nós aquilo que nos guia e, ao mesmo tempo, gera os fantasmas que nos amaldiçoam. No contato interior direto se possibilita saber quais os caminhos que nos trilham, qual somos nós que construímos para trilhar. No caminho há tropeços, há pedras, como outrora nos avisara o poeta. Mas flores nascem na rua. Na caminhada, há o silêncio das mentes inquietas, mais o burburinho de multidões que passam por nós. Os tocar de ombros, as sacolas que se cruzam, as poças d’água em que afundamos nossos delírios. No meio do percurso, sufocamos as mágoas que nos apertam e despachamos ao léu as palavras que não possuímos força para expressar. Criamos diálogos clássicos ao longo do caminho, este seja, quiçá, o melhor palco para o teatro vivo de nossa vida, sempre escrava da realidade. Há caminhos longos, outros curtos, tortuosos ou em linha reta. Alguns são contínuos, já outros, sobem e descem. Uns só descem. Todos nos levam a algum ponto. Em todos os caminhos, nós caminhamos. A diferença é o papel que executamos na passagem.

            Meu nome é Ponte. Sigo um caminho interior de ponte, ligando vias que nunca se cruzariam. Para o exterior, sirvo eu como escolha ou como sorte, como quando há o destino certo e optam por me transpassar, como se minha existência fosse a passagem mais fácil para se unir ao caminho escolhido; ou como o encontro com algo extraordinário e inesperado que liga o passado a uma esperança vindoura indescritível e desconhecida. Prazer, sou ponte. O caminho que não anda. Sou aquela parte da via que, ainda que parada e estacada nos dois extremos, dá seguimento às vidas.



[C.B.O.]



“Não é impossível ser feliz quando a gente cresce, só é mais complicado.”

(As melhores coisas do mundo, filme, 2010).




ps. a impressão de que isto se torne algo...

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Sobre Ser, Estar e Pertencer.



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Quando realizamos um estudo linguístico de base semântica, compreende-se que o primeiro movimento de análise será a busca por qual o significado do uso de um termo, pensando na significância daquele termo dentro do contexto em que foi elaborado, observando sua origem e as mudanças etimológicas que sofreu durante o tempo, tentando compreender como determinado enunciado se encaixa dentro da constituição de um discurso.

De fato, procurar o significado e descobrir muito além do óbvio é o que estimula a ação da pesquisa nessa área. Sempre serão novos saberes sobre o mesmo e a surpresa nesse “reencontro” inusitado só ocorre após o aprofundamento do estudo. Enfim, nada é feito na superfície da língua.

Assim, penso nas coisas que são feitas na superfície da vida. Algumas coisas serão feitas sempre para ser superfície, como, por exemplo, fazer uma lista de compras. Após ir ao supermercado, a existência da lista perde o sentido. Outras coisas são assim também, como retirar o lixo de casa. O máximo de aprofundamento que pode haver nessa ação é a separação entre lixo orgânico e reciclado. Mas nem todo mundo recicla. A partir da divisão feita, o lixo será problema de outra pessoa, quando esse é o trabalho dela, mas para você, não haverá mais porque pensar em sua existência, basta produzir mais lixo, mesmo que nem se pense nesse movimento de produção.

Porém, outros movimentos no jogo da vida são tratados com a mesma superficialidade de escrever uma lista de supermercado, quando não deveriam sê-los. Esta mudança de finalidade, entre superficial e profundo, levou-me a pensar, então, nos verbos ser, estar e pertencer.




Relacionamentos.




Ao colocar no papel esta palavra, de repente, a escrita empaca. Fico parada pensando, de fato, o que devo dizer, como devo dizer, com que dedos escrever isto que penso, o que sinto, o que percebo no cotidiano. Não estou em bons dias para escrever sobre relacionamentos, mas, talvez mesmo por isso, motivo-me a escrevê-lo.

Nos últimos anos, tenho pensado muito no como das coisas. No modo como me relaciono, no modo como raciocino tanto frente às possibilidades, no modo como não deixo as coisas acontecerem, sempre prevendo quando vou me machucar e, desta forma, deixo de viver para não me doer.

Assim, sempre estou. Estou pronta para viver algo, mas ao mínimo sinal de desastre, pulo fora. Sou sempre a pessoa que diz sobre intensidade, sobre profundidade de relações, alguém que quer viver algo plenamente... mas não me jogo. Nunca me jogo. E sinto que os homens que cruzam meu caminho não me ajudam muito neste processo. Afinal, qual deles estaria a fim de se jogar comigo nessa brincadeira de aprofundamento? Qual, dos que passaram por mim, de fato gostariam de pertencer, a meu lado, de algo que não fosse uma lista de compras? Quem escreveria um livro, o que durasse, mesmo que tivesse fim, que seria pleno de sentido, mesmo com a limitação destes sentidos?

Enfim.

Relacionamentos de hoje que fogem tanto do uso do verbo pertencer como o era há tempos atrás. A liquidez dos movimentos faz com que este pertencimento nunca crie raízes, e não raiz para toda a vida, mas a raiz que permite, ao menos, saber que houve algo plantado, um dia, em alguma parte do terreno chamado alma.

Olho para dentro de mim e, mesmo sabendo que só estou e que teime em querer ser, mesmo não sendo, tenho a certeza de que um dia já pertenci. Já entreguei-me de modo a criar raízes, a construir uma historiazinha que não se finalizasse no medo de não-ser, no medo de não-pertencer. E criar raízes me fez aprender muito. Fez com que eu sentisse muito, tanto as dores quanto o amor que as gerou. Não, não há preço que pague a sensação de criar raiz. Mas é necessário um solo fértil, para que floresça. É necessária a coragem para furar a terra. É preciso força para se manter no plano de se jogar, penhasco abaixo, para viver um grande amor.

Hoje li um texto que falava sobre amorzinho. A autora colocava a distinção entre o amorzinho – o amor seguro –, e o amor de verdade – cheio de riscos. Ela me convenceu ao dizer que o amor de verdade é mais arriscado porque sempre temos medo de perder o que verdadeiramente nos importa. O amorzinho é um porto seguro de águas paradas. Nele não há o risco porque não há dor. Não há o real do dia a dia, que é composto, também, por dores. O amor de verdade sendo águas em uma correnteza. Nele, podemos cair do barco em determinado ponto da viagem.

Uma vez eu houvera escrito que precisava desse lugar dentro da água que não fosse a mansidão, mas que me permitisse viver. E viver inclui sentir um frio no estômago e o medo de perder... enquanto se entrega às quedas da cachoeira.

Usar o verbo pertencer é extremamente difícil e perigoso. Mais perigoso quando há essa leitura da origem do verbo, o conhecimento semântico por trás de seu uso, a responsabilidade de saber que o verbo passará por uma análise mais adiante e que, enfim, é preciso, como boa semanticista, que eu seja fiel ao significado das palavras em cada um de seus novos contextos.

Mas tem dias que dói tanto fazer essa escolha.

Vou sair, rir e esperar que passe essa responsabilidade linguística de meus ombros. E não, não voltarei ao texto para trabalhar sobre as palavras. Basta a dor de ter que parir uma só vez, é desumano exigir trabalho para uma mãe em pós-parto.









[C.B.O. – 15/04/2014.]

sábado, 12 de abril de 2014

Não aguento a dor de ter um corpo.
E pesa, como um copo de cheio de água e de chumbo.

Paisagens

Logo, dentro em breve, mudará a paisagem.

Não a estação do ano, sendo que estamos ainda no meio do outono, mas a paisagem que meus olhos veem ao acordar, todos os dias, quando eu abro a janela pra vida. 
Ainda não havia parado para pensar nisso direito, nessa mudança de paisagem. As árvores que temperam meu amanhecer, o sol nascente ao longe e em meio aos prédios, o som da marginal, as flores que crescem na primavera. Tudo desaparecerá.

Em contrapartida, ganharei a construção de um novo prédio que transpassará a altura de minha nova janela. Homens em conversa, pó, bate-bate em ferrarias e construções o dia todo. E o pôr-do-sol.


Meu coraçãozinho está um pouco triste com essa minha partida, mesmo que, na verdade, eu só atravesse o corredor para o prédio seguinte.

E esta é uma metáfora da minha vida: estou atravessando o corredor para o prédio seguinte.

O medo do novo e de seguir em frente é que deixam meu coração assim, pesaroso. E, também, principalmente, ah, deixar tanta coisa para trás.


Foram cinco anos. Poesia de Vinícius na minha parede azul claro. Junto ao retrato de Drummond e Machado que delicadamente eu pintei nos anos de pré-vestibular. E um poema de Drummond que eu pendurei por lá e depois de alguns anos pendurei também no espelho, de tão forte que é o poema e de tão 3D que se configura (abro aqui um parênteses: o poema trata da efemeridade das coisas, das pessoas, das relações, diz que tudo é eterno até o nosso limite de respirar a eternidade. Pois bem, o primeiro que preguei, próximo ao Carlos e ao Machado, foi-se apagando com o tempo). Também há as  fotos, que, apesar de irem comigo, já não serão mais parte do fundo azul escuro da parede que as recebe. Poxa, que dor! 

Não irei mais morar, nunca mais, em um 602 com a placa 920 na porta. Quem terá feito essa arte? Não haverá mais esse silêncio de casa. Não haverá mais essa paisagem que há enquanto eu digito e olho sorrateiramente para cima, pensando se de fato é.

Mudares.

Queria que fosse mais fácil: pegar umas malas, uns carrinhos, transferir maquinalmente o que há de meu por aqui. Mas há  tanto e eu não tinha noção disso até que comecei a arrumar a mudança.

Vou partir, meus caros. A presença dessa memória não me deixa outra coisa além da repetição da saudade. 

[criseida]

terça-feira, 8 de abril de 2014

Contraponto de mim


Simultaneamente ao pensamento anterior, fico pensando no motivo pelo qual as pessoas escolhem a mim, dentre uma fila grande, para ser o escopo para passarem para o "lado de lá". É transparente o motivo. Meus 157 centímetros perto de um cara de 180 não serão desprezados nesse momento. Esses centímetros a menos fazem com que as pessoas vejam em mim um atalho melhor para cruzar a multidão.
Por muito tempo fiquei brava com isso. Tolices. Passei a pensar nesse meu papel de um modo figurativo mais bacana: não pela falta (dos centímetros, ó!!), mas pela grandeza que há em possibilitar ao outro um novo caminho.

Assim como um cara grandão será sempre o escolhido para a troca de lâmpadas. E deve pensar que oferece luz e novos olhares aos olhos amigos.

Cada um tem na vida seus diferentes papéis, aquilo no que será melhor.

Talvez um de meus papéis, além de ser baixar e facilitar o cruzamento dos caminhos, rs, seja o de ser a menina legal. Eu sempre me vejo mais atenciosa com o outro do que recebendo essa atenção. Eu sempre vou me preocupar se o fulano, ou sicrano, ou beltrana chegaram bem, caso eu saiba qual o destino deles. Sempre vou pensar no melhor jeito pra que todos fiquem bem. Sempre serei a "tia da limpeza", preocupada com o bem estar. Serei aquela que vai mandar uma mensagem perguntando se a pessoa está viva, mesmo que a pessoa esteja vivíssima e apenas se esqueceu de que eu, do lado de cá, esperava por notícias. Eu vou consolar quando alguém se for. Irei ser conselheira quando o namoro terminar. Vou naquele jantar, mesmo com a cabeça explodindo de dor, apenas porque todos irão. Sim, e alguns não irão porque perderam a hora. E esses não se importaram, porque a importância grande do bem-estar do outro não reside neles igual reside em mim. É muito difícil ser assim tãomente colocada como "a cris de ouro", quando o que eu mais tenho querido é que alguém se faça de ouro para mim também. Ao menos banhado, vai.

No ápice dos meus vinte e seis anos, o que eu mais quero neste momento é o cuidado. Eu sei me cuidar só, o que é  tão óbvio quanto meus 157 centímetros! mas quero alguém que se preocupe com esse cuidado também. Que me ajude a pensar no melhor modo de me pensar. Que me faça comer menos chocolate, ou menos gorduras trans. Que diga pra mim que eu sou bonita como sou e não preciso de um piercing no nariz, não preciso de uma tatuagem na bunda e menos ainda de pintar de ruivo meus cachos. Quero cuidado. Delicadeza de pensar no meu bem, assim como pensaria no seu bem próprio.

Um amigo que se virasse em 30 para me ver, não por um grande motivo, mas apenas porque precisamos rir juntos vez ou outra. Um amigo que não cancele comigo como se eu fosse a pessoa mais tolerante do mundo. Por amigos que não acreditem que eu vou aceitar qualquer malentendido e não será descaso. Não precisam eles ser tão precisos quanto eu sou. Não precisam me responder na hora, como eu, burramente, teimo em fazer. Não precisam aparecer, mesmo que a cabeça exploda. Mas que mostrem que se importem. Demonstrem. Cuidem de mim.

Ah, se eu não tivesse vinte e seis anos e não estivesse tão precisada de cuidados, talvez vivesse numa noite fulgaz, afastada desse mundo que não me pertence e não me deixa pertencer.

[CBO]

Manifesto sobre o Cansaço

Por um mundo com menos
"Nossa, Cris, você é um anjo"
E mais
"Nossa, vou ser um pouco de anjo para a Cris."

urgh.

[criseida]

domingo, 6 de abril de 2014

Uma aprendizagem (sempre, de novo)



"Já duas semanas se haviam passado e Lóri sentia às vezes uma saudade grande que era como uma fome. Só passaria quando ela comesse a presença de Ulisses. Mas às vezes a saudade era tão profunda que a presença, calculava ela, seria pouco; ela quereria aborver Ulisses todo. Essa vontade dela ser de Ulisses e de Ulisses ser dela para uma unificação inteira era um dos sentimentos mais urgentes que tivera na vida. Ela se controlava, não telefonava, feliz em poder sentir.

Mas o prazer nascendo doía tanto no peito que às vezes, Lóri preferia sentir a habituada dor ao insólito prazer."







[Clarice....]

A paixão segundo G. H.

Esse trecho é incentivador. Quem sabe assim eu crie coragem de ler. Quem sabe assim eu compreenda melhor a falta da terceira perna.

De uma lindeza, uma sutileza clariciana, que clarifica nosso modo de ver o mundo.
Com amor, todo o amor dominical, segue:


"Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que eu nunca fui.Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa  encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar. Estou desorganizada por que perdi o que não precisava.?"

[Clarice Lispector]

Marinho

E o que fazer do Marinheiro-só?

Permanece  ele jogando suas redes em mares infrutíferos.
Quero gritar.
Quero pedir que não tente, poupar-lhe a frustração.
Mas meus dedos miúdos me inibem.
Coíbem-me sensatos e apontam:
"Um marinheiro-só não faz verão."


Seguimos,

[cbo]

Assim:

Venho buscando
a fala perfeita
o discurso perfeito
o verso perfeito
para minha torta poesia.

Venho buscando
A maneira perfeita
a palavra perfeita
para praticar
minhas imperfeitas auguras.

Venho buscando ler
limpar meus olhos
retificar meus óculos:
para te ver.

cbo

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Outras de Talles...



Eu te amo,

Contudo saiba

Que amor para mim, nunca foi

nem será

Algema de alma.

Assim querido

Ciúmes é apenas um jogo divertido,

Retrato de desejos,

Nunca paredes de presídio.


Eu te amo,
Entretanto e tantas
Saibas que sou livre,
E voo entre os pássaros,
Desapareço entre nuvens,
Retorno
E se digo que te amo
Não duvides.
Mesmo na ausência
Eu estarei contigo.

______________________________


Depois de nos amarmos
Silenciamos.
...
Então,
Nossos silêncios
Fazem
Amor


________________________________


Teu céu misturou-se a meu mar e fizemos chover.






[Talles Azigon]

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Aluguel

Aluga-se estômago para borboletas.

Simplicidade

uma palavra dita
um gesto anotado
um olhar deixado

e eu volto.

[cbo]

Nota no rodapé da vida:

¹Deixar de alimentar meus vazios.

Fórmula:
Menos água
Menos vinho
Menos suor
Menos humores.

[cbo]

Gritos de passagem

Às vezes tenho que olhar muitas,
muitas,
muitas vezes para mim,
com o fim de me reconhecer.

Por isso me leio,
me releio,
me transcrevo.

Atravesso meu mundo de palavras,
de formas,
de sons,
de descompassos...

Um espelho de mim para mim.
Um eu que me habita, desconhecido,
desconexo,
lupado em mim.

por isso a insconstância.
por isso a constante em querer me saber.

[cbo]

terça-feira, 1 de abril de 2014

Devaneios sobre merecimento



Normalmente é mais simples do que você imagina
Precisamos nos sentir merecedores para conquistar
Merecer algo organizado no meio da desordem
E na busca de reciprocidade
Um amor, um amigo
Sentir-se presenteado, pois a pessoa zela por você
Ela fica bem se você estiver
Ela completará sua palavra cruzada
Preencherá o vazio que você não compreendia
Suas dúvidas serão esclarecidas com o olhar
É simples e direto
Deseja sinceramente saber como foi seu dia
Seu Mundo terá mais cores e sabores
E quando estiver distraído e tropeçar
As mãos o aguardarão e saberá definitivamente que é merecedor
Do amor, de um amigo, alguém para conversar ou apenas observar
Nos momentos de silêncio, nada será tão recompensador que olhar, respirar e sentir a presença
Normalmente isso acontece quando você consegue se libertar do que não acrescenta
Dos vícios, manias e presenças incoerentes
Confusão não combina com o amor
O amor precisa de segurança, normalidade e espontaneidade
Nós chegaremos lá...

[Lu Angele]