domingo, 27 de abril de 2014

Contabilidade

Nalgum lugar do universo, deve haver uma lista de pontos negativos e positivos que vamos acumulando ao longo do caminho.
Caminho.

Gosto de pensar na passagem do tempo como um caminho, pois o caminho é aquele pedaço de terra que nos leva a algum lugar. Independente do caminho, sempre seremos limitados. Limitamos nossa visão, pois, durante a viagem, não conseguimos olhar os dois lados do caminho ao mesmo tempo. Ou olhamos a frente, ou um do lados, ou passamos pelo caminho sempre olhando para trás. De toda forma, saber que o caminho nos leva a algum lugar ainda não significa saber qual lugar é este, muito menos se o que nos espera, neste novo, é o que pensávamos merecer, o que sonhávamos durante todo o percurso.
Assim, ao longo do caminho, vamos acumulando ações. Vamos construindo o caminho, ao mesmo tempo em que o caminho nos constrói. É de impressionar a capacidade de engenheiro que carregamos em nossas veias e como somos cegos para tamanho conhecimento. Alguns, ao fim do caminho, descobrem-se graduados em engenharia civil da vida; outros, nunca terão ciência desse conhecimento amplo que possuem.
Sobre os pontos que vamos acumulando, estou certa de que há um processo administrativo deveras sofisticado que some, subtraia e gerencie os resultados dessa equação na vida de cada um. É certo: tem que existir! 
Há, no espaço, alguém que soma minhas angústias e minhas alegrias; que decida pelo momento em que eu, no meio do caminho, deva receber as felicidades ou derramar as lágrimas de tristeza. Tenho sentido isto, tenho sabido isto. Pois, durante o caminho, questionei, tantas e quantas vezes, sobre o merecimento em determinados trechos de construção. Dói, não é mesmo? A solidão dói. Às vezes é de uma necessidade quase física, mas sempre é um processo de dor. A solidão não no sentido de escolher ficar só, mas na sensação do abandono, do desenlace. Nunca escolhemos ou desejamos ser abandonados no caminho. Nosso desejo vibra para que encontremos um fim junto às pessoas que tanto vamos amando na caminhada. Mas, nem sempre é assim. E o sofrimento que faz com que o joão-de-barro trancafie sua amada na casa, após a traição, é o mesmo que nos faz continuar andando. O joão-de-barro  nunca se mudaria de lá se as coisas permanecessem no estado de equilíbrio.
E nós, o que faríamos no estado de equilíbrio?
O equilíbrio não requer novidades, não exige movimento, não precisa de criatividade para se manter. Ele, por ele, já está no plano do acabado. Não há acabamento extra que se necessite, nem uma nova lâmpada, nem ao menos um azulejo trincado. Entende? Por esse motivo, talvez, a dor seja o prato principal para a arte. Nesta refeição, a arte se lambuza, se extrapola, se refaz. A dor como parte inseparável da criatividade de existir.
Acredito eu que os momentos de dor devam fazer parte do caminhar. Algumas das vezes nós suportamos esta realidade com aceitação quieta, pois sabemos que outro caminho não há. Mas, outras realidades de dor, entretanto, nos jogam longe, tão longe, que pensamos, aí, que nunca mais voltaremos a ver o caminho que nos levava. 
Nunca escolheríamos por este tipo da dor. Não saberíamos ter a sabedoria para escolher em qual momento do caminho estaríamos mais forte para receber estas pancadas, então, procrastinaríamos a dor que nos fará artesões do destino. A dor constitutiva da arte. A dor, caminho de refeitura. A dor, processo. Diante deste motivo, creio que há alguém que faça os cálculos por nós. Alguém com precisão matemática, que compreenda o tamanho das nossas angústias e calcule a área de criatividade que poderemos alcançar naquele determinado momento de dor.
Há.

Eu acordei muito triste neste ano. Uma tristeza de doer fisicamente. Rara. Algumas tristezas só atingem a alma e nada além. Não se esboçam na carcaça que se espreita no caminho. Contudo, apesar desse pontapé inicial tão dificultoso, tenho descoberto em mim uma força incomum, uma espécie de amadurecimento do viver. Que me faz sentir estranha para mim mesma, mas me faz bem. Ao certo, não posso precisar quantos momentos, ao longo destes quatro meses, que tive a sensação de que um abismo se abriria ao longo do meu caminhar. Foram algumas. E outras já houvera ocorrido em diferentes momentos desse meu existir. Não era novo. Porém, o que resultou desta sensação me surpreendeu como se eu fosse outra em mim. Tenho me superado. E dai, quando me acerca a sensação de solidão, do "só-entre-os-demais" de Cortázar, sinto que uma onda benfazeja ilumina meu caminho. Tenho atraído pessoas. Boas pessoas. Pelo menos creio que pessoas que se atraem por sorrisos são boas pessoas. Espero sempre crer nisso. Essas novas pessoas querem saber quem é que eu sou por trás dos óculos e dos olhos vivos, do sorriso cheio de dentes e da leveza de espírito. Eu, que sempre me julguei cheia de pesos! De todo modo, tenho atraído. Mas não é fácil manter. Não é fácil manter perto dos olhos se não há amor, como me diz sempre Joãozito. E sinto como uma verdade que é muito difícil me amar. Simplesmente porque eu não me permito, em algumas vezes. Outras, porque eu me permito demais e mostro ao outro todo peso que trago e que, se meus olhos brilham e se meu sorriso se mantêm, é porque eu já aprendi que eles devem estar ali para que eu permaneça no caminho, para que eu tenha forças para caminhar. Então, meus instrumentos de impulso se tornam instrumentos socializados, e o outro sente em mim a vibração para que seu caminhar seja feito. Mas, não contente, tenta descobrir quem sou eu e, ai, tudo se perde.
Ainda espero alguém que não se perca.
Nos pontos que estão sendo somados, espero que logo chegue o momento de que a média do amor se faça para mim. Preciso do amor. Alimentar este sorriso e esse olhar tem sido um parto cotidiano. Mesmo que forças venham de fontes impensáveis, que façam com que eu, uma gota d'água no oceano, seja, enfim, uma gota d'água que o oceano gosta de saber que pertence a si, que faz parte dele. Amigos. Amores.


[cbo]

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