segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Nostalgia ou “Saudades do que a gente viveu(sic)”



Se eu fechar os olhos com força agora, vou sentir falta de estar sentada na minha mesa, olhando pra estante e tomando uma cerveja hipergelada num copo congelado que o Marcelo fez questão de “preparar” para nós dois. Tá certo pensar nisso às 10h da manhã? Talvez não, mas é desse jeito que eu sinto falta agora. Da Lupita deitada e olhando pra gente com cara de quem se importa pouco (mas que se importa muito) e o Guimarães dormindo todo borrachão com a barriga pra cima e a cabeça pendente. Sinto falta de sentir o cheiro da minha casa, de sentar nas minhas cadeiras duras, de ter acesa a luz em cima da mesa com aquele arzinho de aconchego e amor. 
Se eu fechar os olhos com menos força, posso deitar na minha cama, tão gostosa, e fingir que é domingo de manhã e que o Marcelo não vai levantar cedo pra ir pra escola. Aquela preguiça gostosa das manhãs de domingo, aquele fazer planos que talvez nem se cumpram, como levar os cachorros pro parque, correr depois do almoço, ir visitar alguém, como se nosso domingo se expandisse além das 24horas permitidas por lei. E depois dos sonhos, a moleza boa de levantar não levantando, um café da manhã no nosso melhor estilo: tudo que é de bom pra gente viver a vida simples e feliz. Preparar com amor o café, ir comprar pão fresco (porque é domingo) e trazer, talvez, algumas carolinas e alguns pães de queijo pra completar a mesa. Se estivermos animados, rola um suquinho de laranja natural, ao gosto da casa. As portas e as janelas abertas, o ar fresco, o calorzinho (ou calorzão) penetrando nosso cotidiano. Andar de pijama, deitar com os cachorros enquanto finjo que não quero fazer tanto carinho neles. Que saudades daqueles pelinhos na minha roupa que anda tão limpa agora. O rabão da Lupita que passa feito Loreal Paris na cara da gente (espanador que fala, né?), os dentinhos do Guimarães que não cansam de brincar de morder. 
Se eu pudesse fechar os olhos agora, e permanecer assim, eu estaria em casa, porque só lá que eu consigo andar de olhos fechados reconhecendo a materialidade de tudo aquilo que eu, junto com a minha família, temos construído, num esforço diário, pra chamar de lar.

[c.b.o.]

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

O melhor (e o pior) de viver, é observar

A vida é fácil, o ser humano que complica.
Como toda máxima, não há nada que diga mais verdade sobre o ser humano do que o próprio ser humano quando diz. Complicamos as coisas, é fato. Querer explicar ou eleger contar sua própria história é uma dessas escolhas que fazem complicar tudo.
A realidade não cabe num livro, disse Ferréz. Não cabe, eu completaria, porque a complicamos demais.
Estive pensando nisso quando passei a considerar quanto tempo tenho gasto observando as coisas. Quieta, muda em minha observação, olhando, vendo.
Nessa viagem, tão introspectiva quanto surrealista (porque as observações acumuladas são piores do que os pensamentos acumulados e vão fazendo camadas surreais, atemporais, mesclas e cortes, continuidades e inconstâncias....) eu percebi o pouco que conheço de tantas coisas que estão ao meu redor. Dos povos, dos países, das pessoas, de suas culturas e de seus desejos. O que você sabe sobre os sonhos de alguém que difere minimamente do seu núcleo (de sua renda, de sua cultura, de sua vivência, de suas experiências de vida...)? Não precisa ir longe, não precisa sequer sair de sua cidade para pensar nisso.
O quanto sabemos daqueles que des-observamos ao largo de nossa jornada?
E por isso observar é o melhor que podemos ter, porque nos faz criar empatia, no sentido não coaching da palavra, e nos faz querer fazer algo por um outro que não é o nosso narciso.
Mas é o nosso pior também, porque observar, ver, tentar, é descobrir que, cara, senta aqui:  seus braços são curtos demais.

Às vezes dá uma alegria grande conhecer o outro. Observar mais além de olhar e conhecer. Saber quem é, ouvir, dizer, trocar. E, noutras, dói... dói fundo: porque não se pode fazer nada para mudar tudo. Para mudar de forma significativa a realidade e a profundidade que é viver em um mundo tão miseravelmente desigual.

CBO