segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Pegadas

(...)

...sigo pistas que me levem até você. Na busca incessante, tento encontrar o caminho que me liquefaz para que eu goteje, dia-a-dia, nas suas lembranças. Não moro mais no presente concreto, nem peso tanto no ar em que respira, contudo sigo sendo rastro, fagulha, incessante migalha de pão à espera dos seus passos retornantes, retornáveis, retornador...

...sigo pegadas. Pouco a pouco, o vento e a chuva que caem fazem com que minha  missão seja mais difícil, trabalho arqueológico na busca de sinais. Minhas vistas cansam, não sou a pessoa com maior capacidade cognitiva para decifrar os símbolos pintados pelo destino. Num labirinto em trevas, desenho em meu corpo o caminho do desejo...

...sigo suspiros. Então flamejam no espaço vestígios de você vestidos de sonhos. Uma névoa de emoções. Como uma trama construída de diversos traços, os pontos que se cruzam revelam novas insígnias nesta louca tarefa de pesquisadora. Ando e admiro-me. Pertubo-me. Sinto-lhe cada vez mais próximo novamente. E é apenas o ar que eu respiro que se torna mais rarefeito, mais cortante, mais lúcido da sensação de que sua existência ínfima nos é pertença.

Tudo tão incerto. De repente, é como se houvesse a segurança de que na manhã seguinte haverá luz, mesmo numa noite tempestuosa. Escondida entre as cobertas, só há os relâmpagos que indicam a existência da trovoada, e a trovoada é você na minha vida.

Peco ao deixar residir em mim essa angústia cinzenta de seguidora, farejando o marinheiro que preferiu seguir o mar a me seguir. Sendo sempre feita dessa necessidade perseverante, quando cederei meu lugar e esperarei sentada, à beira das rochas, que seu navio me busque?

Jogarei no  chão pedaços dos meus rotos vestidos, formando uma trilha para o amor. Contemplarei nos céus as nuvens frescas que nascem da esperança de um dia melhor, sem mais ter o ato de burramente decifrar seus passos errantes. Cada flor trará o cheiro de sua espécie, sem correspondência com o peso das lembranças que carrego em minha sacola. Enfim, povoarei meus sonhos de doces respiros breves, na inteligência madura de pontualizar com firme pulso as entrelinhas que me escrevem.

E, se nada de novo ela me trouxe, jogarei minha sina pela janela e me permitirei manter um caso com o acaso.

[cbo]

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

primaverai, ó.

Há um mês que não me partilho, mas hoje é primavera e merece minha contemplação. As palavras se constroem pelo de-dentro e por isso é tão dificultosa a tarefa de traduzir o que ainda formula-se enquanto meu próprio eu.
Minha afinidade com a primavera, entretanto, leva-me a pensar na escrita e no exercício de me expor, como as flores amarelas que floreiam em quaisquer espaços, mesmo que sozinhamente. Deste modo, também eu floreio, como um raio de sol fino que escapa de nuvens densas, na busca de localizar fora de mim o lugar a que  pertenço e os sujeitos que me constituem.
Não é transparente. Impossível traduzir, assim, as palavras que estão aqui dentro e não querem sair, teimosamente acalentadas pelo meu eu-interior.
Mas exercito-me na escrita imatura, para celebrar a renascença da vida, dos amores e dos sóis.

Bradando um viva à Primavera.