sábado, 12 de abril de 2014

Paisagens

Logo, dentro em breve, mudará a paisagem.

Não a estação do ano, sendo que estamos ainda no meio do outono, mas a paisagem que meus olhos veem ao acordar, todos os dias, quando eu abro a janela pra vida. 
Ainda não havia parado para pensar nisso direito, nessa mudança de paisagem. As árvores que temperam meu amanhecer, o sol nascente ao longe e em meio aos prédios, o som da marginal, as flores que crescem na primavera. Tudo desaparecerá.

Em contrapartida, ganharei a construção de um novo prédio que transpassará a altura de minha nova janela. Homens em conversa, pó, bate-bate em ferrarias e construções o dia todo. E o pôr-do-sol.


Meu coraçãozinho está um pouco triste com essa minha partida, mesmo que, na verdade, eu só atravesse o corredor para o prédio seguinte.

E esta é uma metáfora da minha vida: estou atravessando o corredor para o prédio seguinte.

O medo do novo e de seguir em frente é que deixam meu coração assim, pesaroso. E, também, principalmente, ah, deixar tanta coisa para trás.


Foram cinco anos. Poesia de Vinícius na minha parede azul claro. Junto ao retrato de Drummond e Machado que delicadamente eu pintei nos anos de pré-vestibular. E um poema de Drummond que eu pendurei por lá e depois de alguns anos pendurei também no espelho, de tão forte que é o poema e de tão 3D que se configura (abro aqui um parênteses: o poema trata da efemeridade das coisas, das pessoas, das relações, diz que tudo é eterno até o nosso limite de respirar a eternidade. Pois bem, o primeiro que preguei, próximo ao Carlos e ao Machado, foi-se apagando com o tempo). Também há as  fotos, que, apesar de irem comigo, já não serão mais parte do fundo azul escuro da parede que as recebe. Poxa, que dor! 

Não irei mais morar, nunca mais, em um 602 com a placa 920 na porta. Quem terá feito essa arte? Não haverá mais esse silêncio de casa. Não haverá mais essa paisagem que há enquanto eu digito e olho sorrateiramente para cima, pensando se de fato é.

Mudares.

Queria que fosse mais fácil: pegar umas malas, uns carrinhos, transferir maquinalmente o que há de meu por aqui. Mas há  tanto e eu não tinha noção disso até que comecei a arrumar a mudança.

Vou partir, meus caros. A presença dessa memória não me deixa outra coisa além da repetição da saudade. 

[criseida]

Nenhum comentário: