quinta-feira, 20 de março de 2014

Sem palavras

Elas me traem.
Na boca, ainda o gosto da dor pelo que se foi. Assim, oca, o sentimento de partida sempre nos transborda de um vazio muito maior do que o que nos constitui de fato.
Transpassada por este oco, lembranças me levam ao que de fato construiu nossa relação.
Maior do que com muito humanos, foi você que esteve comigo na virada deste ano.
Deitadas no chão do meu quarto, você tremia de medo e eu chorava, segurando sua pata.

Dói saber que no próximo ano eu possa deitar sozinha naquele mesmo chão, esperando que os fogos de artifício se acalmem, esperando que minha vida mude.

Seu olhar mora dentro de mim, mi Estrellazita...

Antes de você ir para outros céus, recebi a visita inusitada de uma companheira sua, a qual você morria de raiva e eu jurava que seriam inimigas inclusive em outra vida. Ela veio nos meus sonhos e, nele, morreu por uma segunda vez. Talvez tenha sido um  presságio de que as coisas ai, no seu de-dentro, não iam tão bem. Soube que  você chorou por toda a noite.
Ontem eu chorei por toda a noite também.

Pena que, desta feita, nossos laços estavam tão distantes. Minha mão e sua pata não voltarão a se encontrar. Nem nossos olhos. Nem mais sentirei seu abraço, colocando seu longo corpo apoiado em meus ombros. Esses meus ombros que não suportam o mundo, sequer suportam saber a sua ausência.

Eu, Estrela, que não suporto a morte.

Ainda estou triste, bem triste. Muito triste, aliás. Feliz, apenas, por saber que sua vida aqui na Terra já não estava mais tão agradável assim. Como diz uma grande autora que eu admiro, às vezes quem morre está muito cansado, às vezes quem morre precisa muito. É um consolo.

Espero que me perdoe por estar tão distante quando estive ai na minha última viagem. Eu fugi de você, eu sei. Nem sequer me despedi, como costumeiramente. Mas estava tentando aprender a lidar com sua ausência, já premeditada.

Mas hoje me entristeço mais ainda por isso. Por ter sido fraca, por não ter feito, por me arrepender do que não fiz, entende?

Eu te amo muito, mi estrellazita... brilhe no céu dos cachorrinhos por mim. Brilhe como seus olhos esverdeados e sua mancha estelar faziam aqui, perto de mim, no quintal de minha mãe. Brilhe porque no céu há muitos preás para você caçar. Há muito mato para você correr. Não haverá dor, minha Menina. E lá, com certeza agora digo, estará a Laika te esperando para que finalmente vocês sejam amigas. A presença dela em meu sonho, quiçá, tenha sido para aliviar essa dor aqui no de dentro.

Para onde vão os nossos mortos?

Com amor,

Kika.

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