quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Marcelo Tas

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"Os escritores são seres humanos com defeito de fabricação. Eu e você- caro leitor-, que somos criaturas normais, pensamos lá dentro da nossa cabeça num monte de coisas absurdas. Todos os dias, como uma perereca sobre o asfalto quente, nossa mente gasta mais de uma dezena de horas saltitando impaciente de um pensamento para o outro. Num clique, sem compromomisso, pulamos de "o sinal vai fechar" para "ainda vou comer a Vera Fischer".
Mas depois do longo dia de pensamentos proibidos e quase sempre infrutíferos, todos nós vamos para a cama exaustos curar com o sono e os sonhos as fantasias malucas geradas por nossa mente inquieta. Todos nós menos um: o escritor. Em vez de ir dormir como os demais seres humanos, esse indivíduo perturbado mantém a vigília. Com a frieza de um cirurgião e a desfaçatez de um assaltante, o escritor senta-se diante do teclado. E não só permite como estimula sua cabeça a pensar em coisas ainda mais imprudentes, absurdas e proibidas.
Há também outro tipo de escritores, ainda mais doentes. Os que dormem à noite, mas ajustam seus despertadores para tocar bem cedinho. Acordam às vezes de madrugada, junto com os padeiros. Só que, em vez destes, que generosamente interrompem seu descanso para fabricar rosquinhas e pãozinho fresco para a nossa boa nutrição matinal, aqueles, desde os primeiros raios de sol, começam a conjecturar os pensamentos perversos para incomodar nossa alma.
Assim são eles, os escritores. Vasculhavam cada detalhe do comportamento humano. Bisbilhotam nossa vida, ampliam nossos defeitos e pensam em coisas perigosas que nós, os normais, havíamos abandonado no meio por pensar. E para piorar, é claro, escrevem detalhadamente tudo sobre o papel."



[Este excerto pertence ao PREFÁCIO do livro "100 coisas", de Fernando Bonassi]

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