quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Silêncio e Som

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" 'Não deixeis que meus lábios esfriem sem haverdes tocado os teus.'- ao dizer isso, Gerald fechou os olhos lentamente e, sem dar-lhe o direito a um último suspiro, deitou-se sobre ele a morte.

O amor que Gerald nutria pela senhorita Noelle não era explícito, nem tampouco suspeitado. Em uma relação distante e fria, onde Gerald calculara sobriamente todas atitudes que tomara até segundos antes de sua morte.

O bairro de Saint-Pierre amanhecera nublado todos os dias. Todos os dias por sessenta e sete anos, cinco meses, três dias e quatro horas. Naquele madrugada de junho, à beira do leito de morte de Gerald, via-se através da janela os primeiros movimentos do céu, desdobrando raios de sol que se abriam preguiçosamente.

No ano de 1918 nascia Gerald em um catre gélido, em uma tarde chuvosa, nos arredores de Paris. Sua mãe, Brigitte, aos trinta e sete anos, parira ali seu décimo primeiro filho. Estava velha, cansada; trabalhara interruptivelmente durante todos os dias, cuidava da casa, dos filhos, dos empregados e do marido. Ali, naquele catre gélido, naquela tarde chuvosa, aos trinta e sete anos, ao primeiro choro de Gerald, Brigitte finalmente descansou. Descansara para sempre.

A compreensão sobre a dubiedade de sentimentos que o nascimento de Gerald casou à família era horripilantemente aceitável: sua vida fora a desgraça da mãe. Por muito tempo, Gerald foi sendo enxovalhado de um lado a outro, cresceu sem nada aprender, vegetou durante os cinco primeiros anos de vida.

Ao reconhecer-se como gente, Gerald buscou compreender, por si só, o que seu pai e irmãos lhe haviam negado. Aprendeu a falar, a entender o mundo a seu redor e sempre, sempre ouvia como ninguém.

A França desse período agitava-se meio ao turbilhão causado pelo entre-guerras; Paris era um caos político e a devassidão, uma constante.

Frederic Pietro Saint-Florence decidiu mudar-se para o campo com toda a família e foi lá, em 1925, que Gerald, então com sete anos, aprendera seus primeiros acordes.

O campo proporcionava a ilusão de tranquilidade aos franceses, lá se reuniam diversas famílias da alta burguesia que fugiam do tumulto e das discórdias sem-fim que assolavam a capital por conta da Guerra.

(Naquele ano) Gerald caminhava entre casarões vizinhos quando ouviu um som novo: doce, suave...distinto dos gritos."

[c.B.o.]

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