domingo, 26 de abril de 2009

As voltas

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Um dia a Menina caminhava pelo edifício de quartos vazios e encontrou uma caixa; esta continha um cadeado prateado muito resistente... e a Menina não tinha a chave.
Mas a caixa era tão linda!
Brilhava em cores azuis e esverdeadas, possuindo detalhes floridos e um fundo de cores múltiplas e indecifráveis.
A Menina achou por direito manter a caixa consigo, afinal, não vivia ninguém no edifício mesmo.
E foi assim que a caixa surgiu na cena que se pinta a seguir.

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Certa manhã acordou a Menina com um sorriso amarelo e um jeito mole de existir. Correu ao banheiro, tomou seu café, trocou-se, banhou-se, saiu de casa, voltou, almoçou, assistiu tevê, leu, comeu novamente, voltou mil e uma vezes ao mesmo ponto...seus pensamentos não paravam! E uma única coisa desejava a menina: reencontrar sua caixa mágica.
Tal era a necessidade, que a menina procurou por ela durante toda a tarde e parte de sua noite.Vasculhou armários e caixas antigas, velhos baús e estantes, bem como todos os cantos de sua casa, mas nada da caixa. Onde estaria ela àquela hora?
Foi quando a Mão Amiga apareceu.
A mão trazia em si uma chave muito misteriosa, na forma de uma gota d'água. A Menina sorriu.
Aquela gota era a resposta que tanto procurara, a chave que faria renascer todos seus sonhos, todas as possibilidades de conhecer o que havia de tão mágico dentro de sua caixa desaparecida. Desaparecida.. foi então que sua vista escureceu e a Menina soube que, muitas vezes, o que ela deseja vinha aos pedaços, nunca inteiro, e que seus desejos poderiam morrer sem realizar-se e quedar somente a vontade e a sensação de "quase" haver chegado a hora...
E a mão, pressentindo a tristeza marcada no rosto da pequena, decidiu dar-lhe mais do que a chave-mestra, mas a realização plena e completa de seu sonho: a mão deu-lhe esperança.
E através dessa esperança, ambos, mão-e-menina, como dois desbravadores, caçaram novamente por todos os cantos, até que puderam encontrar a caixa dentro de outra pequena caixa vermelha, que ficava escondida embaixo da cama da menina. E então, abriram-na.


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É difícil pesar a relação de doação e sabedoria existente entre a mão que guia a Menina, e a Menina que dá vida à essa Mão. É tão difícil quanto tentar definir o sentimento que tenho pela Menina, e a forma como ela é capaz de adivinhar meus maiores sonhos sem que eu os declame em alta voz. É a mesma Menina que domina a arte de encantar as pessoas e fazê-la viver, mesmo que por dentro essa menina esteja sentindo a dor e a morte resplandecendo em suas artérias.
E, contudo, a relação mão-menina é tão completa e tão dissociável, que sinto-me intrusa ao narrar essa história. É como tornar-me peça terceira e dispensável para ambos; é como infiltrar-me em algo que não é meu; é como uma necessidade de sentir em mim toda a pureza e realeza de sentimentos que ambos desfrutam. Sou a pedra no meio do caminho. Mas faço minha parte com humilhação e humildade. Busco somente expressar o que ambos, menina e mão, estão ocupados demais para fazer: eles vivem enquanto eu os traduzo: eis minha digna utilidade.
Queira o leitor desculpar minhas constantes interrupções, mas como falar da Menina assim, continuadamente, sem ao menos expressar todo amor que sinto por ela? É ela que realiza minha vida e, apesar de muitas vezes sentir o vazio invadir minh'alma, preencho meus dias na exaltação da alma da minha pequena... me-nina.

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Ao abrir a caixa saiu de lá uma luz branca que cegava. Era ela toda forrada de papel espelhado, o que ressaltava a curiosidade do casal.
De fora, a Mão tentava demonstrar imparcialidade e indiferença frente aos segredos escondidos na caixa; mas seus olhos brilharam de prazer quando viu a luz que raiava e, principalmente, a forma como a Menina sorriu ao desembrulhar o objeto que lá encontrava-se escondido, sacralmente escondido.
Num pequeno papel de seda cor de violeta podem-se encontrar escondidas diversas coisas: jóias, roupas, dinheiro, apólices... ou, um simples diário na forma de caderno. E foi justamente o que a Menina encontrou, e o que tanto a surpreendeu.
E com um riso jovial e contagiante ela agitava o caderno por entre os braços, mostrando-o à Mão, olhando-o repetidas vezes, vendo-se através dele, adivinhando-lhe as histórias, os amores, as vidas que ali se encontrariam.
A Mão não conseguia compreender ao certo o que representava o diário na vida da Menina, nem como poderia lhe dar tamanha alegria um presente tão simples, não conseguia compreender o rio de esperança que plantava na menina. Mas adivinhava. Adivinhava os gostos e desgostos da Menina; adivinhava seu modo de ser e as simples alegrias que seria capaz de fazer para ver ressurgir o sorriso da menininha que o encantava. A mão a sabia.
E nessa noite, segurando o diário em uma das mãos, e a mão do amigo em outra, a Menina experimentou o instantâneo sabor da felicidade em sua plenitude. E então fechou os olhos, sorrindo, e adormeceu.


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[cbo]

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