domingo, 20 de julho de 2014

No oco

Não havia parado para pensar sobre o oco que nós mulheres temos dentro de nós desde que assim, mulheres, somos concebidas.
Como se fosse uma maldição lançada desde a criação. O mesmo início que teima em dizer que foi a mulher que tirou a humanidade do paraíso.
Somos ocas. Nosso oco se constrói no meio de nossas pernas, um buraco que se esgueira para dentro de nós da forma mais brutal.
Por isso somos tão internas, por isso tão reflexivas, por isso o nosso de-dentro se sente mais. Não há uma haste dura e polida para levar para fora de nós, como um continuado de nosso ser, nossas mais tenras angústias, nossas mais estranhas agonias, nossas paranoias e vícios e dores e sentimentos.
Nos homens, uma vara faz esse papel.
Não havia pensado nisso, mas esse ano algumas verdades estão brotando para mim. Inicialmente li Valter Hugo Mãe que dizia sobre o anzol que as mulheres possuem dentro de si. Eles que fisgam o pênis dos homens. Fiquei pensando em como esse rasgo das mulheres pesa tanto, pesa para dentro, vai no fundo de nós para nos colocar nessa posição oca de ser tão extremamente interna.
Assistindo hoje a peça "Ensaios sob(re) Angústia", o fato de faltar à mulher essa capacidade de extravasar seu corpo com um membro enrijecido, tendo que se conter para dentro, foi posto em roda.
Não estou chocada, apenas estou boquiaberta porque agora sei porque sinto, porque agora sei o motivo de ser tão intenso assim esses sentimentos que nascem e se regam e se matam e me arrasam no de-dentro. Não sofro mais da inocência de crer que homens e mulheres sejam iguais, pois nossos instrumentos de libertação são distintos: no nosso caso, mulheres, ele não existe para jorrar nossas angústias.
Fico no oco. Oco, oco, oco. Oscilando entre o que sai pelas pontas dos meus dedos e o quanto guardo dentro de mim, entre a camada mais grossa e mais fina dos sentimentos mais tenros, sai uma escrita gaseificada, bolha de sabão, apenas o que pode sair, apenas o que é permitido sair, apenas o que consegue desfazer o sólido para virar matéria viva, matéria vida.

Desfaço-me de dentro para dentro. Sou o oco que cai num precipício maior chamado eu.

Agora, ao menos, compreendo essa minha queda livre, compreendo meus escuros, aceito meus pesos. Sei que estou indo cada vez mais dentro, cada vez mais fundo, sem uma mangueira de alienação. Conheço as dificuldades e, mesmo assim, sou capaz de ir e vou.

Oca, sim, mulher.
Coragem.
Amor.
Ir.

[Criseida]

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