sábado, 21 de novembro de 2015

SóS



Somos carne, unha, desejos. Seres não realizados dos sonhos que esquecem. Caminhos destraçados por destroços, parte do cenário. Somos mesclas de nódoas que passaram a dividir espaço em nosso corpo. Somos aquilo que menos desejamos ser e adoramos isso a cada dia mais. Somos e nos aperfeiçoamos na arte de isto ser. Somos o não-ser, o não-ver, o não-amar. Preferimos o nulo ao todo. Comemos a casca com medo do que há na polpa. A sós, somos.Preferimos a alvura do que as manchas de uma estrada desconhecida. Fugimos, todo o tempo, permanecendo no cárcere de nós mesmos. Na transfiguração dos ritos de passagem, deixamos para trás os nós.

Unha, carne, desejos. Feitos para deixar de existir. Sobreviventes exemplares do que é preciso abandonar. Células de um elemento unicelular: cada um no seu quadrado, disseram. Cada um em sua bolha, disseram. Cada um com seus desejos, disseram. Ficamos a sós conosco. Sós. Só.

Mas continuamos crendo na existência dos quadrados, das bolhas, dos...

(e nada mais foi)

Desejos, carne. Desejos, unha. Desejos. Escolher bem o que desejar. Escolher, então, não mais desejar. Escolher não olhar mais. Escolher não querer mais. Escolher não se entregar mais. Escolher aceitar mais. Escolher ser escolhido.

Nada constante, um todo superficial. É preciso esquecer o miolo, o cerne, o preenchimento. Não confundir casca com polpa, centro com núcleo, pétala com raiz.

E constatamos que de todas as novíssimas lições das dez mais da semana, assalta-nos o oco.
Sobreviver sem viver. Pensar sem agir. Trabalhar sem gozar. Assistir sem ver. Amar sem amor.

E os dias passam, correm, voam. E cremos que, assim como o dia, passamos, corremos, voamos. E continuamos dizendo que estamos indo, que estamos indo, que estamos...
E nem sequer nos lembramos o significado de estar.

E nem sequer...

[cbo]

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