sábado, 20 de novembro de 2021

Dos consolos

Eu ia começar dizendo "Dia desses me peguei pensando...", mas seria mentira, porque o "dia desses" foi ontem mesmo. Ainda ontem eu pensava que há um tempo atrás eu era garota, distraída na vida, pensando apenas em superar a adolescência, os amores fracassados que durariam para sempre (segundo a lógica de todo adolescente) e vez em quando planejando algo para o meu futuro.

Foi assim que eu me distraí no começo dos anos anos 2000 e, quando percebi, estava entrando na universidade. Era irreal, impossível, todos os "i-" na frente de qualquer adjetivo que se queira propor. Na minha condição, o meu futuro era algo "inimaginável" de fato. 

Mas, como eu dizia, eu andava distraída por aí e não percebia os movimentos ao meu redor. Tudo aconteceu tão rápido e tão silenciosamente que eu não acompanhei. Hoje, quando tento voltar a esse tempo, vejo que não foi um lapso da idade em que se distrai por pouco, mas um problema social: também as manchetes eram outras, também os jornais fingiam não perceber o balanço que movia nossa sociedade e de  repente jogava fulanos, como eu, em espaços diferentes, como a universidade.

Que coisa, não?

Tudo aconteceu num silêncio e eu vivia distraída, sem notar. Pensei nisso ontem porque fiquei calculando o peso de não ser mais uma garota distraída. Mulher preocupada com o que há ao redor, parece que o fardo a carregar por isso é pesado demais. E nem reclamo. As condições que tenho me fornecem privilégios muitos pra qualquer reclamação. Quem dera tudo fosse flores... Ser mulher, ser professora, ser acadêmica é um tanto quanto desafiador ainda. 

Ontem, bem, ontem eu pensei nisso tudo porque lembrei que estamos cara a cara com o abismo outra vez e eu entendo. Os i- voltaram, com força, a fazer parte de nosso cotidiano. Pensei com dor nas pessoas que estarão amanhã com medo da prova. Pensei com mais dor ainda nas pessoas que nem sequer poderão fazer a prova. No fundo, no fundo, o que eu pensei com força mesmo, é que eu queria me distrair por algum tempo. 

Acreditar na mudança e deixar que ela aconteça enquanto eu me divirto de algum modo por aí, despreocupadamente. Aproveitar um domingo inteiro, aproveitar um final de semana inteiro. É quase utópico pensar em ter 24 horas só pra deleite, sem ser atravessada por um ponta de angústia causada por esse desgoverno que não nos rege.

Então ontem eu estava pensando e me dei esse luxo de sonhar. O sonho é um privilégio nosso, de quem ainda acredita na força dos que são menosprezados por quem hoje ocupa o poder. Eles sairão, esse é o sonho. E nós nos distrairemos outra vez. Espero que não muito, espero que apenas o suficiente para que o movimento não volte a nos virar de ponta cabeça como estamos agora. Só uma distração boa, de curtir a parte que nos cabe e ainda nos permita continuar sonhando. 

cbo

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